Dona Nadir, eu, Iris e Paul Hewson



Cara doutora,


Eu queria falar da leitura de Surrender, o livro de memórias do Bono, do U2. Nome civil: Paul Hewson. 

Estou no início da leitura. Três capítulos até agora. 

Talvez o Emanuel fosse gostar do livro, com suas descrições de Dublin. As ruas de Dublin. O que uma família de classe média dublinense tinha em casa nos anos 1970. A influência dos meios de comunicação do vizinho Reino Unido na Irlanda. E, inclusive, um atentado com carros-bomba em Dublin, perpetrado por unionistas do norte. 

Em nossa mais recente sessão de terapia a minha mãe, Dona Nadir, foi citada novamente. Muito por conta da possibilidade de minha aposentadoria estar próxima, e dos conselhos que ela me deu quando eu era adolescente e começava a trabalhar. Então a sessão foi sobre a talvez severidade da Dona Nadir, as expectativas dela para seu filho, meu pai como uma régua ou um alvo. E por aí conversamos. Inclusive estávamos próximos do aniversário de morte da Dona Nadir, efeméride que havia me passado despercebido. Dona Nadir morreu, mas ainda vive um tanto em mim. Em especial pelos valores e lembranças introjetados em mim, e que vez por outra invoco. Mas, claro, a terapia é para ajudar a lembrar que as minhas decisões devem levar em consideração o meu bem estar, e não as ideias de Dona Nadir. 

Surrender é um livro com quarenta capítulos baseados em quarenta canções.

Ele perdeu a mãe, aos 14 anos, em 1974. Ele teve uma perda dupla na época. A família comemorava as bodas de ouro de seus avós maternos. Naquela noite, depois da comemoração, o avô de Hewson teve um infarto fulminante. A família estava em tratativas de velório quando a mãe dele, Iris, desmaiou. Levada ao hospital, em seguida faleceu, em decorrência de aneurisma. 

Então, naquela casa, restaram três homens desconcertados. Seu pai, seu irmão mais velho e ele. E em 1974 homens não choravam, homens não podiam expressar seus sentimentos. A vida deve ter seguido como foi possível. 

Em 2014, o U2 lançou um álbum chamado Songs of Innocence. Lá está a canção Iris (Hold Me Close). E nesse terceiro capítulo, Bono relata uma preparação para entrar ao palco em um show, e cantar essa canção. De alguma forma, ali estava o homem de 54 anos lidando com o luto da perda de sua mãe 40 anos antes. 

Nossos mortos continuam nos influenciando por muito tempo depois de suas partidas. 

Era isso. Talvez falemos mais na próxima sessão. 


26, 28/11/2022. 

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