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Mostrando postagens de março, 2022

Sobre Guerras

O fauno voltou ao alto da colina, e recomeçou suas diatribes. "É sabido que há uma guerra na fronteira do ocidente com o oriente." "Um país invadiu o país vizinho, e muitos outros países resolveram punir o agressor." "A guerra tem cinquenta dias. É menos que as principais guerras do século passado, mas um martírio interminável para os que a estão sofrendo!" "Um guru fala da decadência do ocidente. Um especialista fala da decadência do oriente." "Entre os líderes mundiais parece que há mais os que querem que a guerra continue, que os que querem que ela termine." "Eis o que digo: há muitos homens que falam demais, muitos homens querendo brigar." Parou de falar. Calou-se e sentou-se, mirando o nada.   31/03/2022.

Diário da Peste (LXIX) - Pós-escrito: o susto dos rostos expostos

Eu havia dito que o texto anterior, o capítulo LXVIII do Diário da Peste, encerrava o Diário. Mas ocorreu algo que me fez rever minha ideia.  Foi uma ida ao supermercado. Eu não sou fã de ir ao supermercado, mas é uma necessidade. Periodicamente me sinto compelido a visitar algum para repor os mantimentos em casa.  Não foi diferente, esta semana. Foi na sexta-feira.  Vez por outra vemos pessoas que tendemos a achar mal educadas nesses estabelecimentos. E o pior é que é comum esbarrarmos mais de uma vez nelas pelos corredores. Nesse dia, foi um senhor. Meia idade, na minha ideia mal encarado, de maus bofes, rude, espaçoso. Alto como não poderia deixar de ser, por espaçoso.  No primeiro encontro, uma cortada de frente com o carrinho. No segundo um quase choque de carrinhos no setor de chocolates e balas.  No segundo, me dei conta que o cidadão espaçoso não portava máscara no queixo, como fora minha primeira impressão. De fato, ele não portava máscara nenhuma. Se antes já o achara mal edu

Diário da Peste (LXVIII) - Quando termina a pandemia?

Quando termina a pandemia? Quando achamos que a peste passou?  Eis uma pergunta que cabe mais formalmente aos especialistas.  Eu acho que o marco fundamental do fim da peste será quando as máscaras forem abolidas. Até porque, basicamente, esse é o único sinal restante que nos lembra que ainda estamos às voltas com o Sars-Cov-2.  Restaurantes estão abertos. Cinemas recebem espectadores. Shows têm plateia (reduzida, mas ainda plateia. Não é mais apenas uma “live” em uma tela na Internet).  O comércio funciona basicamente sem restrições. Lembra aqueles dias de shoppings fechados?  No meu trabalho, um rodízio visando o fim do teletrabalho começou a ser estabelecido no final de novembro. O rodízio regrediu por conta da cepa apelidada de ômicron do vírus, altamente contagiosa, embora nem tão agressiva.  Agora a emergência sanitária decorrente da ômicron também parece refluir, com diminuição de internações em enfermarias e UTIs.  As pessoas levam suas vidas de maneira basicamente normal. O no

17-03-2022 - Aviso aos leitores: a porção ficcionista do blogueiro está em férias

Os textos ficcionais devem voltar a partir de 31/03/2022.  Embora isso não seja absolutamente garantido. 

Santa Sede 2022: Masterclass com Judith Scliar

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Eu pensei que meus dias como participante das mesas da Santa Sede tivessem terminado, pois já havia passado por praticamente todas as versões da oficina. Verão, primavera, Oficina Santa Sede Safra 2016, que explorava as artes, Masterclass Santa Sede 2019, que homenageava Millôr Fernandes.  Bom, havia a possibilidade de participar do Mosaico ou do Circuito.  Mas eis que o Rubem decidiu lançar para 2022 uma masterclass em homenagem a Moacyr Scliar. Médico e escritor, Moacyr Scliar era contista, novelista, ensaísta. E também cronista.  Como repito muitas vezes, Moacyr Scliar foi fundamental na minha formação de leitor.  Me candidatei a uma vaga na Oficina e fui admitido.  A primeira aula foi uma teleconferência com a Judith Scliar (live? entrevista [com o Rubem, no caso]? masterclass? aula magna? Um pouco de tudo isso, posso dizer). Professora e viúva do Moacyr.  Eu era totalmente ignorante a respeito de Judith Scliar. Sabia que ela era professora de inglês, especializada em inglês para m

Sobre o inferno – 2

Depois de correr colina abaixo, atrás do rolo que emulava um pergaminho antigo, aparentando cansaço, o fauno sentou no chão. Não gritou. Falou baixo, quase sussurrou. Só quem estava próximo pôde ouvir.  “É. Cada vez que uma coisa cai no chão e tenho que juntar, eu penso que o inferno deve ser um lugar onde as coisas caem no chão e temos que juntar.” Botou as mãos na cabeça, fechou os olhos e suspirou profundamente. 09/03/2022. 

Diário da Peste (LXVII) - O que fica da peste?

O que fica da peste? Me fiz essa pergunta porque hoje (segunda-feira de Carnaval, 28 de fevereiro de 2022) tive que colocar o aparador de pelos que comprei no início da pandemia para recarregar. Pela primeira vez.  Não lembro quando comprei o aparador de pelos. Deve ter sido bem no início da pandemia, e do recolhimento decorrente de tal. A ideia era aparar os poucos lugares na minha cabeça em que ainda havia cabelo. É um aparelho que pode funcionar sem fio, com uma bateria recarregável. Desde então devo ter usado o aparelho umas quarenta vezes. E durante 39 vezes a bateria aguentou. Nesse meio tempo também passei a usar o equipamento para aparar uma certa barba que passei a cultivar.  Infelizmente o barbeiro que me atendia, na prática, perdeu um cliente. Nesses dois anos de pandemia, voltei ao salão apenas uma vez.  O que me leva a pensar em todas essas coisas que vieram com a pandemia. Em especial, penso com carinho nas panelas elétricas. A panela de pressão elétrica, a panela de arro

Reflexões de um velho ranzinza: Férias - 2

Tenho 61 anos. Trabalho há mais de 40.  Agora é início de ano. Época que muita gente tira férias.  Eu estou de férias, mas não estou.  Estou de férias, e sigo trabalhando. 28/02/2022. 

Diário – leituras – Brasil, o romance

Talvez encorajado pela leitura de O Tempo e o Vento no primeiro ano da pandemia, resolvi ler este já meio antigo livro (esta edição tem 35 anos), publicado nos anos 1980, quando eu era jovem. Como devo ter dito, além das páginas de resenha e das propagandas na época, vi um exemplar na casa de um missionário americano que trabalhava então em Porto Alegre, o Pastor Richard Hipps. Ele nunca me confirmou se chegou a ler o livro, portanto não sei a opinião dele.  Este Brasil, “o romance”, é um livro de ficção escrito por Errol Lincoln Uys. Uys é um autor sul-africano.  Neste olhar estrangeiro para o país, ele colhe alguns pontos-chave da história do país, para contar quase quinhentos anos de história.  Nesta edição brasileira, foram dois tomos, com oito divisões temáticas, para falar sobre esses quinhentos anos.  O livro começa muito propriamente contando histórias dos povos nativos, pouco antes da chegada dos europeus. Costumamos chamar os povos nativos de índios, mas o autor tem o cuidado

Diário da Peste (LXVI) - Era Carnaval mas não tinha Carnaval, tinha Guerra

O último Carnaval devidamente celebrado no Brasil foi em fevereiro de 2020, já sob a sombra da peste, que se insinuava desde a China, e desde a Itália.  Estou escrevendo em uma segunda-feira, que deveria ser Carnaval.  Em tempos que hoje chamamos normais, antes do advento da peste, as celebrações teriam começado na semana anterior. Tipo quinta-feira. Haveria eventos, como “aquecendo tamborins”, “baile de grito de Carnaval”, “pré-Carnaval no salão”.  Em lugar disso, quinta-feira passada tivemos as notícias do início da guerra aberta entre Rússia e Ucrânia. O que gera uma, mais uma, tristeza tremenda.  E a guerra se torna inescapável, porque uma guerra na Europa ocupa as primeiras páginas nos jornais, e o topo nos saites de notícias. Sendo que nestes últimos há abundância de fotos e vídeos.  Como disse a Tati Bernardi , uma guerra na Europa, praticamente ao vivo e em cores, se junta ao nosso cotidiano de um dos países mais violentos do mundo.  Não me interessa nomear culpados pela guerra