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Mostrando postagens de janeiro, 2022

Sobre o inferno

Sexagenário, sobre uma colina, o fauno continua com suas diatribes. "Pois eu vos digo que o inferno, se existir, e se seguisse as leis desse universo, deve ser como um lugar onde as coisas estão sempre caindo no chão. E os infernizados precisarão ajuntar essas coisas." E seguia nesse discurso, quando um rolo que ele trazia consigo amarrado à cintura como um pergaminho antigo se soltou, e começou a rolar colina abaixo.  "Puta que pariu!" Gritou o fauno com mais força do que quando discursava. Começou a correr atrás do rolo que que descia. "Que infeeerrnoo!" 26/01/2022.

Moacyr Scliar e eu

Moacyr Scliar se tornou uma influência para mim desde o final da infância e início da adolescência. Eu devia ter meus 12 ou 13 anos, quando me caiu às mãos “A Guerra no Bom Fim”, que não lembro mais se ganhei de presente, ou se comprei com algum trocado que ganhei, mas que nem se dignava a ser um arremedo de mesada.  Não lembro quase nada do livro, a não ser que a ele narra meninos no bairro Bom Fim (como denuncia o título), durante a Segunda Guerra. Não lembro se o livro chegou a denunciar os campos de extermínio nazistas. O que lembro é que a gurizada gostava dos filmes, e, como bons meninos (é a meninos que o livro se refere), eles gostavam de emular o que viam nas telas. Assim, eles eram sempre heróis em missões. E lembro vagamente de uma construção que Scliar repetia quando os meninos do Bom Fim se divertiam com alguma traquinagem. Era algo como “riam, rolavam de tanto rir, se davam tapas nas costas de tanto rir”. Na minha lembrança, uma expressão parecida com esta se repetiu por

Diário da Peste (LXII) - Feliz aniversário, Akin

Akin nasceu em janeiro de 2021, filho do Guerreiro e da Mireli.  Tendo nascido em janeiro de 2021, deve ter sido concebido, mais ou menos, aí por abril de 2020. Sua vida, desde a concepção, foi sob o signo da covid-19.  Seu primeiro aniversário foi celebrado sábado passado, dia 22 de janeiro de 2022, em um espaço de eventos na zona sul da cidade. Estavam presentes amigos e familiares dos pais.  Eu, por exemplo, sou colega e amigo do Guerreiro.  Foi um dia de calor no verão de Porto Alegre. As medições variavam. Mas o aplicativo no meu celular marcou uma máxima de 38 ºC, com sensação térmica de 45 ºC (estamos com uma massa de ar quente parada sobre o Cone Sul  da América do Sul, Rio Grande do Sul incluído).  Tempos de covid-19: houve medição de temperatura dos convidados na entrada, e uso de máscaras. E o ritual das máscaras: chega de máscara, recebe um salgado e tira a máscara, levanta e põe a máscara, e mais, e mais.  O Guerreiro vestia camiseta e bermuda. A Mireli uma blusa clara, e

Elza Soares

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Não sei qual a altura de Elza Soares, mas da minha perspectiva essa mulher era, é gigante. Eu estava em uma consulta médica ontem, dia 20, quando a doutora deu a notícia do falecimento de Elza Soares, aos 91 anos.  Uma perda imensa, pois apesar dos seus 91 anos parecia que ela sempre esteve por aí, e poderia permanecer por aí por todo tempo do mundo. Uma mulher que se encaminhava para os 70 anos de carreira artística.  A cobertura jornalística foi grande e comovente. Quanto mais eu lia sobre Elza Soares, mais sentia vontade de chorar, e mais sentia falta dela.  De alguma maneira uma sobrevivente. E uma mulher sempre se superando. E sempre se renovando.  Tanto que uma das suas interpretações que mais me impressionou foi a canção Mulher do Fim do Mundo, quando Elza já era octogenária.  As notícias dão conta que ela se preparava para turnê. Deixou músicas e depoimentos gravados.  Recebeu muitas e merecidas homenagens, inclusive luto oficial da cidade do Rio de Janeiro.  Uma perda imensa,

Sobre o fauno

Eu conheci o fauno . Ele é uma coleção ambulante de clichês.  Reconhece o ditado espanhol "el diablo sabe por diablo pero más sabe por viejo", isto é, que o diabo sabe mais por ser velho que por ser diabo. Ele não tem certeza se a idade traz sabedoria, mas acha que envelhecer faz com que já tenha visto muito coisa, e possa tirar suas conclusões.  Apesar de velho, acha que hoje sabe muito menos que achava que sabia quando era jovem. Pensa que algum filósofo disse isso, mas não se lembra qual.  Pensando em tudo isso, ele concorda com Nelson Rodrigues. Conta-se que, quando perguntaram a Nelson o que ele esperava dos jovens do seu tempo (quando ele, Nelson, já era velho), a resposta foi "espero que envelheçam". Ou algo assim.  O fauno me disse que respeitava todas as religiões. E procurava saber o que podia sobre elas. Mas confessava que quanto mais lia e conhecia, menos sabia. Em todo caso, seguia lendo velhos escritos.  Não gostava muito de ser chamado de fauno. Algun

Perdas e perdas e algum ganho

Hoje, ao acessar as notícias, fui surpreendido pelo falecimento da atriz Françoise Forton. Ela estava com 64 anos e morreu em decorrência de um câncer. Em relação à média nacional, se foi cedo. É uma pena.  Como referi em outra crônica , com o passar dos anos, as perdas vão se acumulando. Como tenho mais de cinquenta, se parar para pensar, elas se tornam opressivas. Mais para o início do mês, perdemos o professor Voltaire Schilling. Ele era um historiador pop de Porto Alegre. Quando não havia internet, e nos informávamos basicamente por rádio, TV e jornais, Voltaire Schilling era figura carimbada. Sempre estava nesses meios, com um comentário iluminador, sobre o passado recente, ou as causas históricas de algum novo conflito. Tinha 77 anos e faleceu em decorrência de embolia pulmonar. Falei há dias na Dalva(na mesma crônica do segundo parágrafo).  Falei no Marcelo , falecido talvez muito em decorrência da lentidão do governo federal em vacinar a população.  Perdas e perdas.  Mas vez po

Diário da Peste (LXI) - A Ómicron e o calor de Porto Alegre

No momento em que escrevo, é segunda-feira.  Ontem foi domingo, 16 de janeiro de 2022. Ontem, segundo o que dizia meu celular, no início da tarde, a temperatura era de 39 ºC na cidade, com sensação térmica de 43 ºC. Caminhar alguns metros sob o sol nessa temperatura foi basicamente insuportável.  O jornal informou que a temperatura chegou a 40 ºC, e, assim, os parques da cidade ficaram vazios. Não é de admirar. Faz uns anos, escrevi uma crônica testemunhando o Parque Farroupilha vazio em uma tarde de domingo escaldante . Era fevereiro então.  O mesmo aplicativo de previsão do tempo indicava 36 ºC para Porto Alegre nesta segunda-feira. 3 ºC mais frio estava escrito. Melhor teria sido dizer 3 ºC menos quente. Grande consolo. Acima de 30 ºC a temperatura é basicamente insuportável.  Enquanto isso, a ómicron (ou ômicron, acho que ambas as formas de escrita do nome da letra grega são válidas na língua portuguesa, mas se não estiverem, tanto faz. Afinal a gente só fala em letra grega, esta e

A vida segue

Esta semana, não sei exatamente em qual dia, minha colega de trabalho, Dalva, faleceu. Pouco tempo antes ela havia sido diagnosticada com um câncer cerebral.  Quando eu soube da notícia da enfermidade, e pelas manifestações em redes sociais, pensei que a sobrevida poderia ser relativamente longa. Um ano, dois. Não. Foram dois meses, se chegou a isso.  Só posso lamentar. Mesmo eu não sendo próximo, sei que ela era colega estimada, amiga, mãe, ... Lembro de alguma velha crônica de Michel Laub comentando que, aos quarenta anos, carregamos uns tantos mortos nas nossas costas. Passando dos cinquenta então (meu caso), já estamos vendo a nossa própria cova ali adiante.  Contudo neste dia 11 de janeiro de 2022 fui surpreendido por duas notícias alvissareiras. Só eu mesmo para usar o adjetivo alvissareira nesses dias.  Pela manhã, a prima Lúcia, de Rio Grande, pelo aplicativo de mensagens, informava do nascimento recente de sua neta, Alice. Presumo que filha do Júnior, que vive no Canadá (quem

Doença Crônica

Maria sentia-se doente de tanto estar doente. 01/01/2022.

Diário da Peste (LX) - Perpétua vacinal e as ondas

Sigo me sentindo um sujeito de sorte  por poder seguir tomando doses de vacina contra a peste.  A chamada dose de reforço (que na prática é uma terceira dose) foi da Pfizer.  Foi sexta-feira, 7 de janeiro de 2022. Como das outras vezes, cumpri minha jornada matinal em home office, almocei e fui para o posto de saúde.  As doses de vacina vão ficando marcadas pelas estações. A primeira foi no outono, a segunda no inverno. Esta no verão. Faltou uma dose na primavera.  Felizmente uma frente fria fez a temperatura cair a agradáveis 25 ºC, contra 33 ou 34 ºC de dias antes. Os tais dias de Forno Alegre.  Desta vez não foi tão fácil. Uma fila que demorou uma hora e vinte minutos. Havia, talvez, umas vinte pessoas na minha frente quando cheguei. Menos mal que havia árvores em volta do posto de saúde, e a maior parte do tempo gasto na fila foi à sombra.  O efeito colateral apareceu 24 horas depois, quando parecia que havia um prego cravado no meu braço. Mas foi desaparecendo nas 24 horas seguint

Reflexões de um velho ranzinza - Ano Novo - 2

Com 61 anos, e aguardando a aposentadoria, a vida não tem sido fácil. Mas às vezes eu rio com o que me falam. Meu sobrinho sempre fala nas redes sociais dele.  Eu até tenho, mas cheguei tarde nessas coisas. Meu computador é velho - quase nem ligo, e meu telefone não é muito potente. Quase não entro. Quase uso só o aplicativo de mensagem. Foi pelo aplicativo de mensagem que meu sobrinho falou que rede social tomava muito tempo.  Agora, no ano novo, ele reclamava que ficava vendo gente botar foto e vídeo de virada de ano e se sentia obrigado a dizer "feliz ano novo". Várias vezes. Para um monte de gente. Eu ri.  01/01/2022. 

Reflexões de um velho ranzinza - Ano Novo

Sou um velho com 61 anos, que aguarda ansiosamente a aposentadoria. São mais de 45 anos entre desemprego e empregos mal pagos. 45 anos para conseguir um apartamento apertado em um prédio ruim na periferia, uma lata velha do século passado como "carro", e perspectiva nenhuma de bem estar na tal aposentadoria.  Ano novo! O ano que farei 62 anos. E que faltarão três para a aposentadoria (provavelmente terei que seguir tentando bicos aqui e ali, mesmo aposentado). Nessa época, todo mundo faz desejos, tem esperança. Como diz aquele sobrinho, "projetos". Eu fiquei pensando que seria bom não ter que usar remédios. Eu uso remédio pra pressão, comprimidos pro diabetes. "Pré-diabetes" diz o pessoal do posto. Vez por outra, pomada pras micoses (vez por outra me dá frieira). Azulzinho pra me garantir.  E tem os dentes perdidos. Continuo com a maioria deles, mas também tenho umas pontes. Não tenho dinheiro para implantes.  Às vezes eu queria que Deus me livrasse de tud

4 de janeiro de 2022

Hoje é 4 de janeiro de 2022. Um dia quase igual aos outros.  Levantei a tempo para o trabalho.  Cumpri minha jornada regulamentar como faço nos chamados dias úteis.  Trabalhei o turno da manhã Fiz o intervalo para o almoço.  Também no intervalo fiz minha caminhada. Talvez uma caminhada de três quilômetros.  Como costumo fazer, fiz fotografias registrando o que quer que tenha me chamado a atenção durante a caminhada.  De volta ao trabalho, cumpri o turno da tarde.  À noite vi alguns vídeos.  Olhei rapidamente redes sociais. Li algum blogue (quem mais ainda lê bloques?). Jantei.  E descarreguei as fotos no computador.  Então certa melancolia tomou conta de mim. Certa saudade.  Em um dia quente de verão há 36 anos estávamos casando.  Tantas coisas para recordar.  Eu em um terno emprestado. Tu com um vestido alugado.  Uma igrejinha de madeira, também emprestada, assim como o pianista, o Edgar. Celebrando o casamento o pastor Natanael (Nathanael?).  Uma festa feita sem álcool, crentes evang

Diário da Peste (LIX) - Balanços e o Ano Três da Peste

Fim de ano, início de ano, ano novo. Época de fazer balanços. Neste blogue não é diferente.  O blogue teve 174 publicações em 2021, entre textos e imagens, o novo recorde anual.  Continuei publicando uma crônica na terça e um texto ficcional na quinta . Mais alguns textos avulsos. Em geral esses textos avulsos são comentários sobre leituras realizadas. Ou seja, o blogue se tornou também um periódico. E a Maria Avelina Gastal continua sendo uma leitora fundamental . E também uma parceira de escrita, cujos textos continuo acompanhando . Já que passamos a parceiros de escrita, continuo lendo as crônicas publicadas do Rubem Penz . E também o Diário do Confinamento do Edgar ("Êdgar?") Aristimunho que recebo via aplicativo de mensagens.  Gostaria de acompanhar mais e mais gente, mas aqui há dois problemas principais. Um: essa gente precisa escrever e avisar, não é Barbara? Dois: infelizmente, se a primeira premissa acontecer, isto é, mais gente publicar, e essa gente for muita, se