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Mostrando postagens de março, 2021

Contardo Calligaris - 1948 a 2021

Final da tarde de hoje, terça-feira, 30 de março de 2021 (ou talvez eu devesse dizer 30 de trezembro de 2020), no final da tarde, ao querer olhar as últimas notícias, fui surpreendido pela manchete do falecimento do psicanalista Contardo Calligaris. Foi um choque e imediatamente se estabeleceu um espírito de luto em mim.  Lá se vai uma espécie de ídolo intelectual. E eu entrei em luto, tal como ocorreu, por exemplo, quando faleceram Airton Senna, Paulo Francis e Renato Russo.  Como quando faleceu Renato Russo, a escuridão baixou sobre mim. Como no caso de Francis, perdi um colunista, do qual eu esperava textos semanalmente.  Aliás, a esse respeito, fazia algumas semanas eu estava dando pela falta justamente deles, esses textos. Me perguntando se o colunista estava de férias, ou se o contrato havia sido rompido sem ninguém avisar.  O pouco que eu lia dele eram esses textos. Crônicas e artigos de opinião publicados às quintas-feiras no jornal Folha de São Paulo. Um homem com sólida form

Velha Boa Nova

Imagine que você ache que tem o peso do mundo em suas costas. Pense que sua mãe lhe disse desde a mais tenra idade que um anjo anunciou a sua concepção. E que esse anjo disse que você seria um instrumento através do qual, os homens não mais errariam seus alvos.  E que você bem cedo se convenceu disso, tanto que na infância já discutia com os eruditos da sua terra.  E quando se viu maduro o suficiente, você iniciou sua trajetória, e começou a propagar uma nova interpretação do que era visto como a lei. Ensinar uma nova ética.  E arrebanhou discípulos. E seus discípulos depois diriam que você fez coisas sobrenaturais.  Mas que, como costuma acontecer a quem anuncia coisas novas, você foi acusado de subversivo, rebelde e sedicioso.  Você traído, preso e, após um julgamento sumário, torturado e executado.  Tudo isso seria muito triste.  Mas seus discípulos que haviam se dispersado, se reagruparam, e começaram a declarar que você ressuscitou.  E, mais, por sua morte, você havia cumprido sua

Sequências

A peste havia embaralhado o mundo. Quando as pessoas pensaram que iam se congratular com a mudança de ano, uma coisa curiosa aconteceu. Em vez de entrarem em janeiro do novo ano, começou o mês de onzembro do ano que deveria ser o anterior, mas continuou sendo o ano corrente.  Ao onzembro, seguiu dozembro.  No mais recente relato estavam em trezembro. O ano novo não vinha.  11/03/2021.

Diário da Peste (XIX) - Um ano de home office

No dia em que essa crônica é publicada se completa exatamente um ano de “home office”, ou de teletrabalho, se você preferir. Primeiro aniversário de home office, infeliz aniversário.  Aniversários são sempre tempo de rememorar. No início de 2020, a gente lia e ouvia notícias de uma nova doença surgida na China. Outra! Outra peste que gerava pneumonias e mortes. E a peculiaridade desta foi que não ficou restrita à China e regiões limítrofes. Da China chegou à Europa, em especial à Itália, e da Europa para o Brasil.  Aqui vale lembrar a absoluta inércia das autoridades responsáveis pela entrada no país de quem vinha de regiões onde já havia casos da doença. Pelo que me lembro, e tive oportunidade de falar com quem veio do exterior naquela época. Nenhuma medida de prevenção sanitária, nenhum teste, nenhum rastreio, nenhum controle de quarentena. Nesse aspecto fomos liberais ao extremo, praticamente anarquistas. A peste pôde se espalhar como tempestade em campo aberto.  Então o governador

Diário - leituras - Contos de Porto Alegre

Por indicação do Caco Belmonte, em rede social, e muito por conta do título, fui atrás deste livro. Como já pude escrever a respeito, inclusive esta busca me levou a adquirir um outro livro com "Contos de Porto Alegre" no título. No caso era Quatro Contos de Porto Alegre .  Acabei por adquirir o exemplar do próprio autor.  Tecnicamente, este livro Contos de Porto Alegre, não me parece exatamente uma coletânea de contos. O senhor conto, aquele que Julio Cortázar fala que tem que vencer o leitor por nocaute. Aquele a respeito do qual o Emir Rossoni lançou uma oficina literária chamada As Duas Histórias do Conto, ou algo assim. Eu senti isso em duas das trinta histórias do livro. São eles Morte e Abandono na Capital, sobre a história de um feminicídio na zona sul de Porto Alegre, e Vida e Morte de um Velho Jornalista, em que um veterano jornalista acaba contaminado pela covid-19, e passa por uma série de percalços.  Não que essa tecnicalidade desmereça o livro. São várias histór

Fatalidades

Durante aquele dia, naquele estranho país, caíram 12 boeings 737, com mais de 2.200 vítimas.  A notícia foi recebida com indiferença por ampla fração da população. Os comovidos com a tragédia foram incapazes de mover as autoridades.  Provocado pela imprensa, um porta-voz declarou que o governo iria aos poucos providenciar uma frota nova e mais segura, e que não restringiria as viagens aéreas porque elas eram importantes para a economia do país.  11, 12/03/2021.

K-7

O primeiro gravador de fitas cassete na minha casa, foi um modelo da Telefunken. Azul, com três botões, um seletor para funções tocar, avançar e retroceder, um botão vermelho para gravar, e um redondo para controle do volume. Para gravar se precisava manter o botão vermelho apertado, e usar a função tocar. Provavelmente fabricado na Zona Franca de Manaus, era movido a pilhas médias. O kit trazia o gravador e um microfone separado. Foi comprado por minha irmã, no auge de seus vinte e poucos anos, por volta de 1973 ou 1974. Eu devia ter seis ou sete anos.  O primeiro rádio da família foi presente de meus pais à minha irmã, no aniversário de quinze anos dela, em 1962. A primeira televisão, em preto e branco, em 1970 para a Copa do Mundo. Esses fatos eu não lembro. Não era nascido em 1962, e muito novo em 1970. O primeiro toca-discos viria poucos anos depois. Os equipamentos eletrônicos da família são uma história a parte. Grande parêntese aqui.  Com o novo equipamento, vieram as brincadei

Diário - leituras - Quatro contos de Porto Alegre

Tudo começou com uma recomendação em redes sociais. Um amigo em uma delas recomendou o livro de Marcelo Villas-Bôas "Contos de Porto Alegre".  Mas onde adquirir? Vamos ao oráculo. E por incrível que pareça não encontrei o tal livro. Depois o próprio autor informou que a edição estava esgotada.  Em compensação, veio a indicação do livro "Quatro contos de Porto Alegre". O livro de fato tem cinco contos, a capa informa sobre um tal "bônus", e apresentação de Luís Augusto Fischer. Entre os autores, Jeferson Tenório (com o conto Vidinha), patrono da edição de 2020 da Feira do Livro, e Moisés Mendes (A implosão), jornalista que trabalhou no jornal Zero Hora por um longo período. Além deles, participam Maria Helena Weber (A foto e a chuva), Jéferson Assumção (Algo mais sobre Turibio Nunez), e Vitor Necchi (MF 711). Em comum, o fato de todos serem ambientados em Porto Alegre. O conto de Asumção também tem momentos no Rio de Janeiro e em Buenos Aires.  Ambientados

Diário da Peste (XVIII) - #PatriotasNasRuas

Faz alguns dias, uma pessoa compartilhou em um grupo de Whatsapp um linque para um abaixo-assinado eletrônico, pedindo um lockdown em Porto Alegre, para diminuir a velocidade da contaminação, e a consequente procura por auxílio médico-hospitalar, uma vez que estamos com UTI’s hospitalares e UPA’s superlotadas, e com filas de pessoas aguardando internação.  O compartilhamento não recebeu nenhuma resposta aparente no grupo. De minha parte, me omiti porque não acredito que um abaixo-assinado eletrônico faça qualquer diferença enquanto a principal autoridade do país, nega eficácia a esse tipo de iniciativa. Pior, enquanto cerca de 30% dos eleitores continuam apoiando esse tipo de político. Dentre esses 30%, boa parte da elite econômica do pais. Nem a pessoa que compartilhou o linque, nem eu poderíamos prever, mas eis que hoje, domingo, 14 de março de 2021, fui surpreendido pela “hashtag” #PatriotasNasRuas, entre os “trending topics (TT)” no Twitter. Cliquei na tal hashtag, e lá vieram víde

Diário da Peste (XVII) - Aplausos

  Apesar de continuar este weblog, com vários textos, fazia algum tempo que eu não intitulava uma entrada como “Diário da Peste”, como fiz entre abril e agosto de 2020.  Eis uma nova entrada de “diário da peste”. Talvez influência do Diário do Confinamento, de Edgar Aristimunho, que registrou o dia 358 na sexta-feira, 12 de março de 2021.  Fato é que ontem, esta sexta-feira, 12 de março de 2021, no início da noite, houve aplausos na rua em que moro. Os aplausos duraram bem mais que alguns segundos. Talvez alguns minutos. Ficou a dúvida na minha cabeça sobre o que significariam esses aplausos.  Tempos depois, entrei nas redes sociais, e vi a convocação para os aplausos. Os dias passam, e já se passou um ano do primeiro brasileiro contaminado por covid-19, bem como da primeira morte em decorrência da peste.  Talvez seja mesmo o momento de aplaudir os brasileiros que levam a peste a sério, que se isolam tanto quanto podem. E principalmente aplaudir os profissionais de saúde que tem dado a

Segredinho

Na seção de frutas e verduras, surpreso, ele viu que o tomate havia baixado de preço.  Uma queda de 40% em relação ao pico, pouco tempo atrás.  Devia estar na safra, e não lembrou de nenhuma manchete falando na baixa do preço do tomate.  Pensou consigo mesmo que também não comentaria com ninguém. Ele também não gostava do governo.  08/03/2021.

Estado de Sítio

Então, amiga, chegamos a esse ponto. Mas como chegamos a esse ponto? Confesso que nunca me senti tão mal, tão desconfortável, tão paranoico. Claro que não é para menos. O noticiário fala de uma transbordamento da peste. Ocupações de UTI para além de 100%. Ou seja, criaram algumas UTI’s fora das UTI’s que existiam. Se aquele cidadão de classe média ou classe média alta que paga ciosamente seu plano de saúde para ter um atendimento diferenciado em um hospital diferenciado, ele arrisca não conseguir atendimento algum. Se precisar de internação não vai encontrar leito, não importa se cumpriu com sua parte pagando religiosamente suas prestações do plano de saúde.  Como chegamos a esse ponto, amiga? Sabe, em 2018, eu imaginei um segundo turno entre o candidato tucano engomadinho e o inominável que está aí. Nos intervalos do trabalho, ou nos happy hours que aconteciam então, eu dizia que entre o truculento nutella, disfarçado de bom moço e o truculento raiz, exaltador da tortura, melhor elege

Diário - leituras - O amor nos tempos do cólera

E finalmente li O Amor nos Tempos do Cólera, o livro que Gabriel Garcia Marques lançou nos anos 1980, que conta a história do triângulo amoroso de Juvenal Urbino, Fermina Daza e Florentino Ariza, em alguma cidadezinha do Caribe Colombiano, entre o final do século XIX e inicio do XX.  Como quase todo mundo, reconheço que Gabriel Garcia Marques é um grande escritor. Por difícil que possa parecer é o primeiro livro que leio dele, e ainda bem que li, mas demorei a ter o envolvimento que o livro merece. Mas o livro vai realmente envolvendo no desenrolar da trama. Trama esta que começa com um despiste, com o doutor Juvenal Urbino (é um detalhe interessante que os personagens tenham nome e sobrenome) envolvido com o suicídio de Jeremiah de Saint-Amour, parceiro de xadrez do médico. E depois passe ao doutor, e a Fermina Daza, e a outro e ao passado.  Mas quando senti que a trama me envolveu, foi como se o escritor me levasse pela mão para contar sua história, que tem momentos reflexivo-poético

Social

  Bêbado e transtornado pelo resultado do jogo, foi à rede social xingar adversários.  No dia seguinte se assustou com seus próprios xingamentos.  Percebeu que os xingamentos repercutiram mais que as fotos de gatinhos.  02/03/2021.

Hora Certa

Vejo o relógio sobre a mesa. Está parado. Precisa que a pilha seja trocada. É um relógio que poderíamos chamar de social. Caixa dourada, mostrador claro, traços no lugar dos números. Pulseira em couro marrom. Couro legítimo. Está gravado.  Eu sempre gostei de relógios. O primeiro que adquiri foi um modelo com algarismos romanos, logo que comecei a trabalhar, no início dos anos 1980. Esse se perdeu na poeira do tempo, perdido em alguma mudança, ou simplesmente descartado porque estragou.  Foram vários relógios ao longo do tempo. A maioria comprada a preços muito acessíveis na Galeria do Rosário, ou outras galerias de quinquilharias do Centro de Porto Alegre. De todos os materiais. Metal, plástico, couro, borracha. Muitos estragaram. Baixa qualidade. Alguns foram doados. Porque, de qualquer maneira, se possuímos cinquenta relógios, é deselegante usar mais que um de cada vez.  Possivelmente lá por 1968 ou 1969, meu pai quis, ou precisou, comprar um relógio. Foi comprado em inúmeras presta

Diário - leituras - Um homem chamado Maria

Um Homem Chamado Maria é uma biografia do polímata Antônio Maria. Pernambucano que se radicou no Rio de Janeiro a partir dos anos 1940, e que foi radialista, jornalista, escritor, roteirista, compositor.  Pequenos comentários do homem que começou como narrador de futebol, e se tornou uma das figuras fundamentais dos “showbis” no rádio e na televisão do Brasil de então. Comenta as composições de Maria, e seus escritos como cronista. Embora fale do homem Antônio Maria, como eu disse, esse polímata, e também um bon vivant, sedutor, bom garfo, o livro também fala bastante daquele Rio, Capital Federal ainda, da efervescência cultural, da transição do rádio para a televisão. Da transição da vida cultural do Centro da cidade e da Lapa, para a zona sul, isto é, na época, Copacabana.  Ilustrado com diversas fotos.  O livro não é mau. Eu o adquiri por conta de ter lido a biografia de Zózimo Barroso do Amaral , do mesmo Joaquim Ferreira dos Santos, mas achei esta obra menor que a outra. Pena.  SA