O fotógrafo e o guardinha na esquina

 


Quem conhece um pouco da história recente do Brasil, sabe da fatídica reunião do Conselho de Segurança Nacional de 13 de dezembro de 1968. Lá se vão mais de cinquenta anos. Ela está descrita principalmente no livro 1968: O ano que não terminou, de Zuenir Ventura. Também deve estar nos livros de Elio Gaspari, A Ditadura Envergonhada e A Ditadura Escancarada. 

Tendo o então general-presidente Artur da Costa e Silva reunido o tal Conselho para deliberar sobre a promulgação do Ato Institucional nº 5, que passaria a ser conhecido como AI5. A ditadura passaria de envergonhada para escancarada, tal como Gaspari expõe nos títulos de seus livros. O Ato teve apoio quase unânime dos presentes, com a exceção do vice-presidente, o Dr. Pedro Aleixo. 

Indagado por Costa e Silva sobre a razão de não endossar o Ato, teria respondido, “Presidente, o problema de uma lei assim não é o senhor, nem os que com o senhor governam o país. O problema é o guarda da esquina.”

Pois bem. 

Eu gosto de fotografia. Mais ou menos desde a adolescência, quando comecei a fotografar com uma Kodak Instamatic 155X que era da minha irmã. Puro sentimento e intuição, zero técnica na época. 

Muito tempo depois, muitas fotos mal tiradas depois, finalmente aprendi algo da técnica. Faz uns quinze anos. 

A partir do início do século XXI, a digitalização tornou o ato de fotografar muito mais barato. E nesta onda comprei algumas câmeras digitais. E sempre procuro carregar ao menos uma câmera comigo. Não, ainda não me convenci que o celular é uma boa alternativa.

Mas vez por outra, aparece um “guardinha” para querer atrapalhar. Comigo já aconteceu três vezes. Das que me lembro. Uma dessas vezes com uma, digamos, autoridade constituída. Duas com seguranças privados.

A vez com autoridade aconteceu em Canoas. Eu quis registrar o estado de um terreno que eu pretendia vender. Bati as fotos e fui embora. No caminho de volta para casa, fui abordado pela tal autoridade, que havia me perseguido. Perguntou por que eu o havia fotografado. Devia ser da aeronáutica. Expliquei que não o fotografei, mas o terreno que eu possuía. Se ele não falasse português, diria que era um portenho de piada. “Por que me fotografas, muchacho?”

A segunda foi em um shopping da cidade vizinha de Novo Hamburgo. Eu estava com um grupo de amigos, tínhamos feito algumas compras e resolvi registrar a reunião. Um dos seguranças do shopping veio dizer que era proibido fotografar com câmera profissional dentro do shopping. Eu respondi que tudo bem, a câmera não era profissional. Ao que ele mudou o discurso, dizendo que só se poderia usar celular para fotografar no shopping. O segurança mostrou sua autoridade, o shopping perdeu um cliente. 

A mais recente foi um domingo desses. 

Passeando, resolvi caminhar por um trecho da Avenida Nilo Peçanha. A avenida está em obras. Provavelmente saneamento. 

Acho legal poder registrar escavadeira de lagartas, retroescavadeira, rolo compressor, caminhões caçamba. Todos juntos, em repouso, no domingo. 

Pois não é que o canteiro tinha um vigia, e esse vigia resolveu me seguir e falar comigo?

“O senhor está fotografando aqui?”

“Sim, estou.”

“Não pode pôr em rede social.”

“Ué? Por quê?”

Ele já foi se virando, provavelmente voltando para seu posto, reafirmando, “Não pode.”

Fiquei olhando. Para ele. A princípio a via pública é pública. E pode ser fotografada. 

Acho que esse tipo de atitude não vem dos próprios vigilantes, eles são instruídos para isso. Me pergunto, por quê? Para quê? A obra não é apenas para instalação de encanamentos? Ou é um projeto secreto do governo para aprisionar extraterrestres? Qual a motivação dessas supostas proibições?

Imaginei o diálogo do vigia com o seu superior na segunda-feira seguinte. 

“E aí, Sidnelson, como foi o domingo?”

“Foi mais ou menos tranquilo, chefe. Mas apareceu um sujeito fotografando o canteiro.”

“E aí, Sidnelson?”

“Eu fui atrás dele, e disse que ele podia pôr nas redes sociais, chefe.”

“Muito bem, Sidnelson. Ninguém pode desconfiar que estamos construindo um calabouço para aprisionar ETs.”

“Acho que ele não vai criar problema, chefe. Foi bem avisado.”


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09, 17/08/2021. 

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