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Mostrando postagens de junho, 2024

Diário – leituras – Arrabaldes

Arrabaldes é um livro de contos escrito por Nelson Ribas. O primeiro livro de contos dele, se não me engano. Se trata de uma obra com trinta e seis histórias, que tratam de perdas, como O Bolo de Milho; de êxodo rural na sequência de contos que vai de Catador de Ilusões a Perdas; e até de suspense/terror, caso de As Tias e de Feitiçaria.  Essa série de contos que vão de Catador de Ilusões a Perdas poderiam servir como um núcleo para o desenvolvimento de uma narrativa longa, novela ou romance, em que o autor poderia desenvolver mais os dramas decorrentes do êxodo rural e dos trabalhos precários na cidade grande.  Ribas se esmera em construir histórias bastante curtas. Acredito que alguns de seus personagens e circunstâncias pedem que suas narrativas se tornem mais longas para que o potencial leitor possa melhor fruir delas, das narrativas.  É um bom livro, que se pode ler bem rapidamente.  RIBAS, Nelson. Arrabaldes. Porto Alegre: Metamorfose, 2022.   19, 29/06/2024.

Feliz aniversário

– Anteontem foi aniversário da Leila. – E?… – Mandei uma mensagem para ela desejando feliz aniversário. – E?… – Achei que era a coisa certa a fazer. – Por que tu diz isso? Ou melhor, por que tu está trazendo isso? – Ela não respondeu. Eu nunca sei direito o que fazer. O aniversário dela é sempre uma data complicada. Sempre tem sido, desde que nos separamos. – E vocês se separaram já se vão uns bons anos, não? – Sim. – E qual o problema então? – O problema é que nesse tipo de data, cada vez que penso em me dirigir a ela, me sinto culpado. Afinal eu causei a separação, eu traí. – Uma coisa que repetimos aqui é que uma relação a dois é uma relação a dois, e quando ela termina, não é por culpa de apenas uma pessoa. Eu já falei aqui, pelo que temos conversado, que tu não estavas feliz na relação e procuraste um meio de sair dela. – Sim. Tu já disse. É algo que constantemente eu trago de novo e de novo para as sessões. E acho que sempre vou trazer. Nessas datas sempre fico achando que arruin

Diário – leituras – O rei dos dividendos

O rei dos dividendos é um livro de memórias de Luiz Barsi Filho. Ele é o maior investidor pessoa física na Bolsa de Valores do Brasil. O título é devido ao fato que quando começou a economizar e investir, Barsi Filho optou primariamente pelo investimento em ações nas bolsas de valores, lá pelo final dos anos 1960, início dos 1970. E sempre em ações que pagassem dividendos aos seus portadores. Barsi Filho botou tanta fé no investimento em ações que chegou a escrever um ensaio chamado Ações Garantem o Futuro, onde propunha esse tipo de aplicação para uma aposentadoria financeiramente mais tranquila.  Apesar disso tudo, o livro não é um manual para se tornar um investidor em ações. É, de fato, um livro de memórias.  Essas memórias começam com ele sendo filho único de uma mãe viúva, formando uma família que vivia em um cortiço, na cidade de São Paulo. Esta mãe batalhadora deu condições a que este filho esforçado pudesse estudar. Barsi Filho conseguiu completar sua educação superior em um t

Depois da catástrofe de maio de 2024 – III

Em meados dos anos 1970 houve um aumento, ou um ressurgimento, dos chamados filmes catástrofe. Lembro de títulos como Inferno da Torre, Terremoto ou Tubarão que devem ter sido sucessos de bilheteria daquela época. Falo em aumento porque a indústria cinematográfica sempre se alimentou de tragédias. O naufrágio do Titanic já foi recriado diversas vezes no cinema; a primeira pouco tempo após o famoso navio ir a pique, no início do século XX. Citei três títulos que fizeram sucesso, e os quais não vi na época, porque era criança, e não me permitiriam entrar nas salas de exibição. Fui ver Tubarão muito depois, já não me lembro em qual circunstância.  Os filmes catástrofe seguiram, seguem, sendo produzidos. Na década seguinte, dos anos 1980, assisti no cinema ao filme O Dia Seguinte (“The Day After”, Estados Unidos, 1983). Naqueles dias de acirramento da chamada Guerra Fria, sob a presidência de Ronald Reagan, o filme imaginava como aconteceria um conflito direto entre os Estados Unidos e a e

Doralino Souza

Por esses dias faleceu o Doralino Souza. Não sei exatamente em que dia. Não sei o que causou sua morte. Só sei que lamento.  Doralino era escritor e divulgador de literatura. Um agitador cultural. Publicava com regularidade a revista eletrônica Paranhana Literário, onde divulgava graciosamente a obra de uns tantos escritores aqui do Rio Grande do Sul. Em um dos números até eu fui publicado.  A única vez que estive em contato com ele foi quando ele lançou seu livro Dentes no Copo de Uísque, em um boteco nos altos do Viaduto Otávio Rocha, aqui em Porto Alegre. Depois os contatos foram sempre virtuais. Lamento que não tenham acontecido outros encontros.  Uma grande perda, de um homem talentoso e relativamente jovem (acredito que aí pelos seus cinquanta e poucos). Lamentável. Que descanse em paz.  23, 24/06/2024. 

Diário – leituras – Falso Lago

Tendo lido o que acredito seja o primeiro livro publicado de Carolina Panta, Dois nós , e tendo gostado, resolvi adquirir esse novo livro, Falso Lago.  Se no primeiro livro, as lagoas do litoral norte do Rio Grande do Sul tinham papel importante, aqui as águas já começam no título desse falso lago, que é o Guaíba.  Falso Lago conta a história de Luciana, mulher que vive às voltas com a precariedade da vida, vida que, suponho, já teve dias melhores. Usa remédios psiquiátricos para tocar essa vida adiante. Já foi professora universitária, e no início do livro está às voltas com o desemprego. Vive com o pai, idoso e com problemas com diabetes, e com o filho, que começa a se manifestar como adolescente rebelde, na cidade de Porto Alegre. Na rua em que moram vive Claudia, mulher jovem e envelhecida, sem teto, com problemas psiquiátricos, às voltas com invocações e maldições religiosas. Uma nova oportunidade se apresenta para Luciana, com um emprego de assistente social na prefeitura. Com no

Diário – filmes – Coco antes de Chanel

Como já disse, assisti Ficção Americana em maio . Também, no final desse mês, assisti o filme Coco antes de Chanel (“Coco avant Chanel”), produção francesa de 2009, em que a atriz Audrey Tautou encarna a mulher que vai se tornar uma referência em costura na França e no mundo.  Nesta história vemos a formação de Gabrielle Chanel, desde criança quando foi deixada em um orfanato junto com a irmã, até seu o início da carreira como costureira. É uma atuação de muitos silêncios e olhares. Desde que Gabrielle (Coco) é menina, até o final. Todo esse silêncio faz pensar se a personagem é muito introvertida, ou se ela acha que tem que ter muita paciência com as pessoas ao redor. Eu ficaria inclusive com essa última hipótese. E sempre é possível lembrar que um filme de recriação ficcional de uma biografia, pode alterar a história acontecida para fins dramáticos.  Um filme interessante sobre uma mulher que adota princípios que poderiam ser chamados de feministas antes do feminismo se articular com

Diário – filmes – Ficção Americana

Assisti o filme Ficção Americana (American Fiction, Estados Unidos, 2023) na segunda quinzena de maio passado. É dirigido e roteirizado por Cord Jefferson, e protagonizado por Jeffrey Wright. Wright dá vida a Thelonius “Monk” Ellison, um escritor erudito, bom prosador, escritor de livros com bons enredos e personagens. Contudo, apesar das boas qualidades da sua literatura, ele não é um escritor que venda muito.  No momento paradigmático do filme (e que toda resenha tem citado) ele descobre em uma livraria que seus livros, em lugar de estarem em literatura americana, estavam na seção de estudos afroamericanos (em vez de ficção, ciências humanas), o que ele tenta mudar na marra. Na mesma livraria ele vê uma obra que estava vendendo bem, mas que lhe parece apelar a clichês, muitos deles pejorativos, sobre a vida dos afroamericanos.  É então que Ellison resolve escrever um livro com muitos clichês, sob pseudônimo.  Como não vivo nos Estados Unidos, não sei dizer até que ponto o filme narra

Algumas reflexões sobre o luto

Noite passada recebi a notícia do falecimento do filho de um amigo. Um outro amigo me enviou a nota, por meio de um aplicativo de mensagens. Talvez um aplicativo de mensagens seja um mau meio para enviar esse tipo de notícia, mas não há como se lutar contra isso.  De fato, a morte já havia acontecido e para o dia seguinte haveria a missa de sétimo dia. Acontece que eu não vou a missas de sétimo dia. Nada contra as missas ou contra Deus. Apenas não creio na doutrina católica que uma missa possa fazer bem a uma alma. E uma missa de sétimo dia é, bem, uma missa. No caso da missa de sétimo dia, ou de trigésimo dia, ou de um ano do falecimento, o reverendo dirige uma missa como as outras missas em geral, e em determinado momento cita o nome do nosso parente ou amigo, falando de saudades e pedindo que Deus tenha misericórdia de sua alma. E, talvez, ao final da missa daríamos ou receberíamos as condolências. Escrevendo assim, me soa um tanto formal, talvez um pouco constrangedor. Tudo depende

Diário – leituras – Uma mente inquieta

Os livros que compramos geram nossas histórias com eles.  Por exemplo, este Uma mente inquieta, de Kay Redfield Jamison. Ele foi comprado na segunda metade da década de 1990, por conta de uma pessoa conhecida, que teve uma crise psiquiátrica, e foi diagnosticada como síndrome bipolar. O livro deveria ajudar a compreender a doença. O livro foi comprado com essa intenção e encostado na estante à espera de leitura.  O tempo passou e a pessoa diagnosticada veio a falecer em decorrência de um câncer abdominal.  Agora tenho convivido com outra pessoa que vive com o mesmo diagnóstico, embora em espectro mais leve. Achei que era hora de, afinal, ler o livro.  É um livro de memórias e testemunho da autora. Ela descobre a síndrome na adolescência e mostra como viveu com isso. Se dá conta que deve ter herdado a síndrome do pai, que Jamison acha uma pessoa brilhante. Ele trabalhava para a Força Aérea. Mas depois que deixou a vida militar teve muitos problemas de adaptação na vida civil.  Com a sín

Diário – leituras – Saraminda

José Sarney foi governador do estado do Maranhão; senador pela ARENA, o partido que dava a sustentação política ao regime militar (1964-1985); presidente da república, tendo sido um vice cujo titular, Tancredo Neves, morreu antes de assumir o cargo. Por conta disso, muita gente acredita que ele se tornou membro da Academia Brasileira de Letras mais por conta de suas atividades políticas, que por suas habilidades literárias. Seu título talvez mais conhecido, chamado Marimbondos de Fogo, era, em geral, citado com sarcasmo.  É uma boa questão se as pessoas que citavam José Sarney com sarcasmo como escritor, de fato leram o que ele escreveu em suas ficções.  Este único livro de ficção que li dele, Saraminda, é muito bem escrito.  Além de seus personagens principais: a própria Saraminda, mulher franco-guianense, negra, com olhos claros e auréolas dos seios douradas; Clément Tamba, garimpeiro também franco-guianense, que é basicamente o narrador da história; Cleto Bonfim, poderoso chefe de g

Depois da catástrofe de maio de 2024 – II

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Neste início de junho, as chuvas e o frio de maio parece que ficaram para trás.  São dias de certo calor, que pode haver gente que chame de veranico de junho. Me parece mais uma primaverica, pois, se esquenta ao meio-dia, à noite a temperatura cai.  É tempo de limpeza, reconstrução e reflexão.  Voltou ao vocabulário da cidade o “abobado da enchente”. Recebi duas explicações para essa expressão. A primeira que ouvi foi que, na enchente de 1941, muitas pessoas que tiveram contato com as águas acabaram se contaminando com doenças que geraram problemas neurológicos.  A outra tese, que me parece mais simples, é mais palatável para mim. Abobados da enchente seriam as pessoas que viveram a chegada das águas invadindo tudo, e ficaram chocadas com as perdas emocionais e patrimoniais. Muitas vezes, perdas de toda uma vida.  Quando tenho caminhado ou passado de ônibus pelos lugares que foram inundados e que agora secaram, eu me sinto esse abobado da enchente, o que se chocou com tudo. É espantoso

Depois da catástrofe de maio de 2024

Quarta-feira era o antepenúltimo dia do mês de maio de 2024.  Fui ao centro da cidade. Eu deveria encontrar amigos, mas os amigos desistiram do encontro, depois que se soube que o local marcado para nos receber ainda não tinha se recuperado da cota de enchente que o atingiu.  No caminho, tratei de tirar umas cópias de textos meus que pouca gente haverá de ler.  E como tinha tempo livre, resolvi caminhar pelo centro da cidade.  A enchente veio aos poucos. Vimos notícias de inundações nos afluentes do Guaíba, das águas do Guaíba subindo. Soubemos de comportas do muro da Mauá fechadas. Assistimos vídeos de água cobrindo rodas de ônibus na Avenida Mauá. Depois vídeos com a parte mais baixa da rodoviária de Porto Alegre alagada. Por fim, o chocante vídeo de todo o largo da rodoviária inundado. Porto Alegre vivia uma enchente mais grave que aquela histórica de 1941. As águas tomaram conta da parte baixa do Centro Histórico, do Quarto Distrito, do Humaitá, do Anchieta. Alagaram o Aeroporto Sa

Minha incomum primeira ida a um show de comédia em pé

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Certo. Em bom português, é mais comum as pessoas falarem em “stand up comedy”, ou em “show de stand up”. Foi em um domingo, 7 de abril de 2024. Lá se vão uns dois meses.  Depois de ter curtido o domingo úmido, quando já estava em casa nos preparativos para jantar e dormir, me chegou uma mensagem no aplicativo de mensagens. Era algo como “queres ir comigo em um show de stand up? Não é necessário pagar nada. Ingressos já comprados. Só chegar lá, no Teatro da AMRIGS, às 20h.” Bastante incomum a circunstância. Como eu disse, já estava na vibe (vaibe?) de me preparar para comer, relaxar e dormir.  Em todo caso, parceria é parceria.  Consultei o aplicativo de carona paga. Seria possível chegar ao local com, talvez, um pequeno atraso. Repassei essa informação ao anfitrião. Ele respondeu que tudo bem. Não havia problema. Ele me esperaria por alguns minutos na entrada. E se eu demorasse mais, ele daria um jeito para que eu conseguisse entrar. De fato, o motorista do aplicativo de carona se esfo