Moacyr Scliar e eu


Moacyr Scliar se tornou uma influência para mim desde o final da infância e início da adolescência. Eu devia ter meus 12 ou 13 anos, quando me caiu às mãos “A Guerra no Bom Fim”, que não lembro mais se ganhei de presente, ou se comprei com algum trocado que ganhei, mas que nem se dignava a ser um arremedo de mesada. 

Não lembro quase nada do livro, a não ser que a ele narra meninos no bairro Bom Fim (como denuncia o título), durante a Segunda Guerra. Não lembro se o livro chegou a denunciar os campos de extermínio nazistas. O que lembro é que a gurizada gostava dos filmes, e, como bons meninos (é a meninos que o livro se refere), eles gostavam de emular o que viam nas telas. Assim, eles eram sempre heróis em missões. E lembro vagamente de uma construção que Scliar repetia quando os meninos do Bom Fim se divertiam com alguma traquinagem. Era algo como “riam, rolavam de tanto rir, se davam tapas nas costas de tanto rir”. Na minha lembrança, uma expressão parecida com esta se repetiu por diversas vezes ao longo do livro. 

Mais recentemente, vi algo semelhante com o protagonista do livro "O Exército de um Homem Só". A cada fase da vida, ele encontrava um lugar onde planejava implantar sua utopia socialista, a Nova Birobidjan, e mentalmente ele planejava as plantações, as indústrias, e o grande "palácio dos festivais".

Também fizeram parte da minha adolescência, títulos como “Os Deuses de Raquel”, “Cavalos e Obeliscos” e “O Ciclo das Águas”. 

A memória trai. Não lembro quase nada de “Os Deuses de Raquel”. "Cavalos e Obeliscos" me chamou a atenção pela ausência da temática da diáspora judaica em Porto Alegre, que eu achava tão característica do autor. E "O Ciclo das Águas" me traz a lembrança do tráfico de mulheres, trazidas das aldeias judaicas do leste da Europa para serem prostituídas em Porto Alegre. 

O tempo passou, mudei, virei cristão protestante, o ensino médio e o vestibular ficaram um pouco para trás, e assim as leituras de Scliar. 

Lembro que por um tempo ainda acompanhei as crônicas dele na Zero Hora. Dessas crônicas me ficaram o fascínio com o filho Beto Scliar, e o torcedor do Cruzeiro de Porto Alegre, numa cidade em que se é colorado ou gremista. 

Acabei por encontrar Scliar novamente no ensaio que ele escreveu para falar do que ele chamou de "estranho incidente literário", em que narra a curiosa (desconfortável?) situação em que se viu envolvido quando foi informado que a obra de um escritor canadense, Yann Martel, podia ser um plágio da novela que Scliar publicara no início dos anos 1980, "Max e os Felinos". No caso, a obra do canadense foi chamada de "As Aventuras de Pi" no Brasil .Talvez a situação não fosse tão ruim se Scliar não tivesse sabido do possível plágio por meio indireto, com algum possível menosprezo de Martel pela obra original de Scliar. Cheguei a ler "Max e os Felinos" e "As Aventuras de Pi" por conta disso, para chegar à conclusão que não seria um plágio, embora de fato, Martel tenha usado a ideia de Scliar. Desse episódio, devo dizer que gostei mais da obra do canadense, que tomei por sátira, do que da do brasileiro, uma novela histórica, que depois, bem depois, vim a saber que seria uma metáfora política, escrita nos estertores de nossa ditadura militar. 

Nesse episódio, lembro que achei o livro de Scliar algo fraco, comparado ao meu passado com os outros livros dele. 

Como citei acima, recentemente li “O Exército de um Homem Só”, e esse livro me ressoou como as obras que li de Scliar no início dos anos 1980. Contudo, leitor mais velho e mais crítico que me tornei, achei mais limitações também nessa obra. 

Agora sou novamente confrontado com crônicas de Scliar. Uma sobre o encontro do autor com seus leitores, outra sobre a maneira como Érico Veríssimo descrevia seus personagens médicos, e uma crônica que é um pequeno ensaio sobre o escritor Jorge Amado. Me fez lembrar que Scliar pode ser um bom cronista.

Também li não faz muito tempo na Folha de São Paulo, um texto que lembrava a passagem do aniversário dos 80 anos do nascimento de Scliar, e divulgava um outro volume de crônicas, estas com temática de Judaísmo, e ainda sobre as relações de Israel e Palestina. Curioso que sou do assunto, me interessei mais por esse volume. 

Enfim, tendo voltado a ler Scliar 30 anos após o ter “descoberto”, acho que ele é um bom escritor, mas não é um gigante da literatura universal. De fato, não creio que algum dia ele tenha pensado nisso, mas deixou uma obra de relevo. 

Carregarei para sempre comigo carinho pela obra de Moacyr Scliar.


26/04/2017. Relido em 05/01/2022.

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