Reação em cadeia


É noite. Chegada da visita semanal ao supermercado. 

Colocar as compras sobre a bancada da cozinha (a cozinha é bem na entrada do apê).

Tirar os tênis e largar na entrada. Tirar e pendurar o casaco (dia fresco de outono, quem quer pegar resfriado?). Tirar a camiseta, direto para o cesto de roupa suja. Idem para a calça. 

Nesse meio tempo, os tomates recem chegados deixaram seu equilíbrio precário e rolaram pela bancada. Um copo próximo é lançado ao chão.

Praguejo, coloco a calça do abrigo, outra camiseta, calço os chinelos e começo a juntar os cacos, por onde vejo. 
Muitos cacos, que vou colocando em um saco plástico, que por sua vez é colocado em outro saco, que irá para um terceiro. Coloco os sacos junto à porta, para ser levado à lixeira no momento oportuno. Felizmente o condomínio faz coleta seletiva e há um conteiner especial para vidro. 

Volto a cozinha, olho para um outro lado, e lá estão mais cacos de vidro. Recomeço o trabalho de coleta de cacos, e ensacamento. 

Depois varro a cozinha, por conta dos resíduos de vidro invisíveis aos olhos, e até incapazes de sensibilizar o tato. Claro que vem pó junto!
Tudo encaminhado? Nem tanto!

Na manhã seguinte, após os trâmites do café, coloco as roupas sujas na máquina de lavar. 

Quando olho para baixo, o que vejo? Mais cacos de vidro! (A área de serviço é junto à cozinha). Não muitos há que se dizer. Novamente junto os cacos, novamento os ensaco... 

Concomitantemente ao ajuntamento dos cacos, percebo, debaixo da lavadora, uma maçã. Deve ter sido outra vítima da reação em cadeia, empurrada pelos tomates, juntamente com o copo. 
Tento pegá-la, mas ela escorrega mais para trás. Uso uma vara para tentar puxá-la. Nada. 

Me ajoelho para tentar enxergá-la, apóio a mão no chão, e adivinhem? Minha mão pousa sobre mais um caco não percebido. 

Praguejo. 

O corte começa a sangrar. E sangra. Coloco a mão sob água corrente na pia. Limpa, mas tão logo a mão é tirada de sob a água, o sangue volta. Preciso pegar um algodão e embebê-lo em álcool, para pressionar o corte. 

Depois de longos minutos, o corte para de sangrar. 

Volto à área de serviço, e levanto a máquina, que naquele momento seguia seu ciclo de lavagem. Não consigo enxergar a maçã. A máquina começa a vazar água. Aff!...

Tento me concentrar no trabalho. O jeito será aguardar a máquina terminar seu ciclo de lavagem. 

Quando isso finalmente acontece, volto para pegar a maçã, antes mesmo de estender as roupas (não muita roupa, a paranoia com o vírus não permite muita acumulação). 

Levanto por um lado, nada de maçã. Puxo a máquina para a frente, empurro a parte de cima para trás. Finalmente a vejo, lá atrás. Tenho que usar a mesma vara para empurrá-la para fora da área da máquina de lavar. 

Finalmente a alcanço. A lanço na pia. Minha vontade é de bater, torturar a maçã. Como se ela pudesse sentir dor!

Enfim, posso me voltar a outras atividades. 

Nesses tempos de pandemia, um simples regresso do supermercado pode se tornar uma epopeia.

17/04/2020.

Comentários

  1. E as compras não foram lavadas? Nestes tempos de ameaça pelo vírus, as bobagens da vida irritam e, ao mesmo tempo, nos aliviam. Viramos palhaços de nossa desgraça.

    ResponderExcluir
  2. Não me lembro (a compra foi na semana passada). Mas normalmente não lavo. Lavo na hora de preparar ou consumir.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Jussara Fösch partiu em 16 de abril de 2024

Poemas de Abbas Kiarostami na Piauí de Junho/2018

16 de outubro de 2024