A Inspiração Que Vem da Quarentena


Tenho lido e ouvido falar sobre o que fazer durante a quarentena, durante o isolamento social que nos está sendo imposto pelo novo coronavírus. 

Ontem mesmo, um jornal informou que o rapper Baco Exu do Blues já havia composto algumas músicas durante este período.

Também abundam sugestões de filmes e séries de TV a serem vistos. Livros a serem lidos. Neste caso, houve até quem sugerisse que, por conta da quarentena, poderíamos encarar aquelas obras imensas, que nos amedrontam pelo tempo que levaríamos para lê-las. No inventário, o onipresente Guerra e Paz, de Tolstoi; os volumes que compôem Em Busca do Tempo Perdido, de Proust; o complexo (para não dizer complicado) Ulisses, de James Joyce; o nacional Grande Sertão Veredas, Guimarães Rosa; e o recente Graça Infinita, de David Foster Wallace.

Por tudo isso, talvez saíssemos de nossas tocas, para (mais) uma Renascença cultural, humanística. 

Comigo não está rolando.

Fui enviado para casa para trabalhar, e, bem, tenho que fazer isso, trabalhar. Tenho feito remotamente meu trabalho, trocando ideias com colegas e prestando contas à chefia, por aplicativos de comunicação, em lugar de frente a frente, como era comum. 

De quebra, fui surpreendido pela falta que está me fazendo os deslocamentos para e do trabalho. Sim, sinto falta de sair, pegar o ônibus para ir trabalhar, e tomar outro ônibus para voltar para casa. Falta da caminhada até o ponto de ônibus, falta das leituras que eu podia fazer durante o trajeto. Através do confinamento, me dou conta que se deslocar até o trabalho era uma espécie de descompressão que agora não há. 

E temos a origem de tudo, isto é, o vírus. O tal coronavírus que gerou o recomendado isolamento social, e, bem literalmente, o quase total fechamento do mundo. Estamos trancados em nossas casas, e não há lugar no planeta para onde possamos escapar. 

Como não ficar tenso, angustiado com tal situação? Como não nos sentirmos de algum modo vivendo na Europa do século XIV, em uma pintura de Hieronymus Bosch?

Sim, estou lendo uma obra longa, O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo, que originalmente saiu em sete volumes, condensados na edição atual em três grossos tijolos. Mas isso já era um projeto de antes quarentena, da peste. 

De forma que as musas não têm me inspirado de maneira muito especial. Bom, talvez Melpômene, a musa da tragédia...


01/04/2020.

Comentários

  1. Estou como tu. Não tenho home office. Sou aposentada. Mas usei esses anos da aposentadoria para reinventar minha vida, me abrir para o mundo, que,hoje, se reduz à minha casa. Mantenho rotina, escrevo,limpo a casa, invento mil atividades físicas, mas sinto falta de caminhar,olhar a cidade se movendo e,mais do que tudo sinto falta dos meus filhos e neta. Só tenho a mim para passar o tempo. Ler tem sido difícil. Filme, nem pensar. Pensamento foge. Adorei teu texto.

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