Reflexões de um velho ranzinza – Inteligência Artificial



Com 61 anos, e aguardando a aposentadoria, a vida não tem sido fácil. 

Mas às vezes a gente tenta relaxar. Tipo, uma vez por mês, na época do salário, ir tomar uma cerva. 

Como hoje. Outra Sexta-feira, fim de tarde, mesa na calçada neste bar no centro. De novo com meu sobrinho que trabalha com computador.

“Pois é, tio. Faz três meses que eu tenho o dispositivo com inteligência artificial.” Ele fala. 

“É? E aí?”

“Sabe? Falam que a inteligência artificial pode ser uma ameaça para a humanidade. Mas acho que a coisa tá longe disso.”

"É?" Eu não sei nada sobre o assunto, mas esse pessoal que trabalha com computador é tudo meio cdf. 

"É. Por enquanto tá longe de ser uma ameaça. Apesar do uauê que o pessoal faz."

“Que uauê?”

“Ah! Tipo, já faz tempo que computadores vencem humanos no xadrez. E agora também tem aquele jogo chinês de tabuleiro que eu não lembro o nome.”

“Ah sim. Isso. Essas notícias que a gente ouve falar de vez em quando.”

“Acontece que os fabricantes constroem computadores especializados. E esses jogos são bastante baseados em cálculos. Então, tudo bem. Esses computadores são muito bons jogadores, mas não saem disso.”

Bebo um gole de cerveja. 

“E o que isso tem a ver com o teu aparelho?” Pergunto.

“É. Bom. Se eu digo bom dia, ele me dá bom dia e me informa alguma coisa que ele ache relevante que aconteceu naquele dia, ou então me informa o que é comemorado no dia. Se eu digo boa noite, ele tem umas quatro ou cinco frases programadas para responder. Ele me responde qual a temperatura ou qual a previsão do tempo quando eu pergunto. Posso pedir para iniciar o aplicativo online de música.”

“Parece legal.”

“Sim. Um colega meu conseguiu automatizar boa parte da casa dele. Colocou lâmpadas inteligentes que ele liga e desliga falando. Também controla o aspirador robô. Sabe, né? Agora tem aspirador que limpa a casa sozinho.”

“Sei.”

“Uma coisa dos Jetsons, que nem o meu pai falava.”

“Imagino.”

“Infelizmente, como a maioria dos sistemas operacionais hoje em dia, vez por outra o tal software de inteligência artificial entra em pane. E tenho que reiniciar.”

“Bah. Xarope.”

“E ele está longe de passar no Teste de Turing.”

“Teste de Turing?”

"É. De Alan Turing, o matemático inglês. Lembra do filme O Jogo da Imitação?"

“Lembro. Do cara que descobriu os códigos dos nazistas.” 

“Isso. Esse mesmo. Ele foi um pioneiro da informática. E ele propôs um teste. Disse que a inteligência artificial seria de fato inteligente, quando um humano começasse a falar com um computador, pensando que estivesse falando com outro humano.”

“Pelo que tu fala, isso ainda não acontece.”

“Longe disso. Fora o que eu já falei sobre ter que reiniciar, tipo, uma vez por semana, o dispositivo, ele é incapaz de relacionar falas. Se eu pergunto sobre Emerson Fittipaldi, ele me diz algo que achou na internet. Mas se digo, 'hein?', ele não entende e pede para fazer a pergunta de novo.”

Eu não falo nada. Só bebo mais gole. Ele continua. 

“Tem umas coisas patéticas. Esses dias eu ouvi no rádio uma propaganda de um banco. No caso o sistema de inteligência artificial do banco supostamente estava sendo xingado por clientes raivosos. Como esse sistema tem uma voz feminina, a propaganda do banco associou os xingamentos a machismo e sexismo. E disse que ia programar o sistema para reagir. No fim não sei o que fizeram porque não sou cliente do banco, mas fiquei curioso.”

Ele fez uma pausa. Também bebeu. E continuou.

“Testei pra ver o que aconteceria. Uma noite, antes de dormir, eu disse, 'Robota, como você é estúpida!'. Sabe o que a voz me respondeu?”

“O quê?”

“Ela disse: ‘Desculpe. Não sei nada sobre isso’.”


21/10/2021.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Poemas de Abbas Kiarostami na Piauí de Junho/2018

Sessão de Autógrafos - A Voz dos Novos Tempos

Feliz aniversário, Avelina!