Diário da Peste (XLVI) - Lendo notícias em 30 de setembro de 2021

30 de setembro é um dia como qualquer outro dia. O último dia do mês de setembro no calendário que seguimos. Ou um dia como nenhum outro, porque é improvável que exista um outro dia como este. 

E ler notícias é falar do passado. Porque a coleção de notícias relatadas no jornal de hoje aconteceram ontem ou antes. 

Uma luta entre gangues rivais levou à morte de mais de cem prisioneiros no Equador. Tudo indica que o incidente é relacionado a disputas por tráfico de drogas. O tráfico se tornou um negócio internacional, em rotas que saem da América do Sul, passam por América Central e México, para chegar aos Estados Unidos. Por conta disso, parte de nós, primatas, nos matamos, decapitamos, esquartejamos, enfim aterrorizamos, porque cremos que nisso está nosso bem-estar e prosperidade. 

A segurança do Primeiro Ministro da Holanda terá que ser reforçada porque o político lidera um governo que também está combatendo o tráfico de drogas. Roterdã tem sido um dos portos de chegada do tráfico de cocaína, da América do Sul para a Europa. Mark Rutte, o Primeiro Ministro do simpático paisinho que tem boa parte de seu território abaixo do nível do mar, costumava ir de casa para o trabalho, vejam, de bicicleta, e desacompanhado. Agora precisará contar com guarda-costas. O tráfico tem tornado o país e a vizinha Bélgica palco de tiroteios e explosões. A polícia holandesa já encontrou alguns calabouços montados pelas gangues, onde adversários podem ser presos e torturados (sim, foram encontrados instrumentos de tortura nesses locais). Como sabemos, parte de nós, primatas, nos matamos, decapitamos, esquartejamos, enfim aterrorizamos, porque cremos que nisso está nosso bem-estar e prosperidade.

Aí podemos constatar o estrago que o tráfico de drogas faz. Seja na matança em presídios na América do Sul, seja na transformação de cidades europeias em periferias de cidades de países subdesenvolvidos.

Com isso não quero dizer que se deva reprimir com ainda mais força as drogas ilícitas. Acho que é melhor mesmo liberá-las, tentar regulá-las e reduzir o dano que causem. Como se faz com álcool, por exemplo. 

Enfim poderia ainda falar da repercussão da voluptuosidade das formas de uma escultura inaugurada na Itália que devia apenas homenagear uma camponesa que foi precursora da unificação italiana. 

Ou do direito de cidadania dado por Portugal a quem puder comprovar descendência dos judeus perseguidos pela inquisição portuguesa desde o século XVI. 

Ou que a espécie de pica-pau que talvez tenha inspirado Walter Lantz a criar seu irrequieto personagem, pode estar extinta. Era um pássaro da região da Louisiana, e faz muitos anos que nenhum exemplar tem sido encontrado. 

Melhor terminar com o lançamento, ou relançamento do clipe do U2, para a canção Original of the Species (2004). Nela os componentes da banda aparecem de maneira muito semelhante a fetos em ultrassonografias. Alegoria do milagre da vida. “Baby, slow down / The end is not as fun as the start”.*

Para quem não passa fome, para quem tem abrigo, para quem não sofre (muito) a violência, para quem não morreu de doença, é um privilégio estar aqui. 

* “Vá com calma, baby / O fim não é tão divertido como o início”. 

30/09/2021.