“Idosa é furtada pela segunda vez na rodoviária”


“Idosa é furtada pela segunda vez na rodoviária”


“Foi a segunda vez em um ano que ela passou pelo dissabor”


A Crônica, 25 de outubro de 2022


– Parece que o autor resolveu nos aproveitar para além daquele livro do ano passado.

– Hein?

– Nada. Digamos que é um exercício de metalinguagem. 

– Hein?

– Nada, nada. 

– Divagações falaciosas?

– Não. Digamos que são reflexões. Alguém pode achar que é brincadeira

– Ok. Melhor deixar assim então. 

– Mudando de assunto, faz algum tempo que eu queria falar nisso, mas nunca havia oportunidade. Soubeste que a sogra do professor foi roubada na rodoviária?

– Sim, sim. Quem da turma naquela época não soube? Muitos comentaram. Mas não ficou claro para mim se foi tecnicamente roubo ou furto. 

– Acho que foi furto. Mas que importa a definição técnica? O triste é que a senhora foi vítima. 

Esse tipo de larápio parece que tem um “modus operandi”. Em geral ataca a vítima no início da manhã, na área de desembarque. Foi assim que um desses ladrões tentou passar a mão na carteira do Zé, faz uns anos. No caso dele, a carteira ficou presa no bolso da calça. Quando ele me contou o fato, disse que se tivesse um revólver tinha dado um tiro no cretino. 

– Bah! Pois é. Ruim! 

– No grupo do aplicativo choveram respostas. Alguns citando outros casos, também na rodoviária da capital. Mas achei interessante a resposta de uma colega. Ela, que é meio globe trotter, disse que esse tipo de crime é comum no mundo inteiro, em estações que gerem aglomerações de pessoas. Sejam rodoviárias ou ferroviárias. Sejam países ditos desenvolvidos ou subdesenvolvidos. 

– Não duvido. 

– Rimou. 

– Rimou?

– É. Desenvolvido, subdesenvolvido, não duvido. 

– Ah tá. Engraçadinho!

Por um momento há uma pausa. A seguir, o último que havia falado retoma o diálogo. 

– Chato isso. O que se poderia fazer?

– Não sei. Nossas prisões estão superlotadas. Fazendo um parêntese, será que alguém se sente mais seguro com o acréscimo de 200% da população carcerária do país nos últimos vinte anos? Voltando, acho que, se for o caso de crime cometido sem violência física, seriam pequenas as chances desses larápios ficarem no xilindró. 

– Furto, estelionato, e os caras não são presos.

– Não digo que não sejam, mas acho difícil. 

– O professor falou em dar uma coça. O Zé em meter uma bala. 

– Sim. É isso que a gente pensa com a cabeça quente. Mas obviamente nenhum dos dois tomou iniciativas nesse sentido. Se todo mundo resolvesse fazer justiça com as próprias mãos seria uma regressão civilizacional e tanto. Possivelmente seria um cada um por si, e que Deus nos acudisse. 

– O que se pode fazer?

– O próprio professor falou, em medidas preventivas. Andar atento. Se possível acompanhado. Carregar o mínimo necessário em termos de documentos e cartões de pagamento. 

– Só isso?

– Eu penso que a rodoviária deveria ter mais seguranças. Um serviço de inteligência que contasse com sistemas de reconhecimento facial, como alguns que já existem por aí. Provavelmente esses vagabundos agem por lá há anos. E certamente nas vezes em que são pegos em flagrante são soltos em seguida, como já falamos. Não sei quem poderia fazer isso. O prefeito? O governador? Existe alguém responsável especificamente pela rodoviária? Nem se seria viável economicamente. 

– Então pouco se pode fazer. O viajante parece estar praticamente por sua própria conta.

– Pois é. 

– Sabe? Teve um momento em que o professor se indignou em especial com a covardia dos ladrões. Do fato de visarem uma pessoa idosa como vítima. Quando ele falou nisso, eu pensei o quanto ainda existe de fera nos seres humanos.

– Como assim?

– Me lembrei esses documentários sobre vida selvagem na África. Em geral os predadores preferem filhotes ou animais velhos ou doentes. 

– Ah! Entendi. Pois é. Pior. 

Ambos olharam para suas bebidas com uma expressão triste. 


01, 02/01/2023.

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