Esta semana eu não vou poder visitar a minha tia


Esta semana eu não vou poder visitar a minha tia. 

Sabe como é, ela é a favor do presidente da república. E domingo passado, o ex-deputado Bob Jeff resolveu receber a balas os agentes da Polícia Federal enviados para detê-lo (a acusação é que ele teria violado as condições do regime de prisão domiciliar que ele cumpria. Pelo que pude entender, uma das condições impostas para a prisão domiciliar era que ele não usasse redes sociais na internet. Ele usou para chamar uma juíza de “prostituta arrombada”). 

Minha tia nem é tão mais velha que eu. Ela é temporã. Nossa diferença é só de treze anos. 

Ela era tri minha amiga. Eu era bem moleca, e ela, em geral, brincava comigo e me apoiava até o fim da adolescência dela. 

Depois ela começou a trabalhar, e depois eu é que me tornei uma adolescente meio rebelde. 

Quando eu me tornei adulta, casei, tive filho, descasei, nós meio que voltamos às boas. Trocando mensagens. Se encontrando uma ou duas vezes por mês para tomar um chá ou um café.

Faz uns anos que ela se tornou meio reacionária. 

O que eu acho bem estranho. Era comentário a boca pequena na família que titia se prostituía. Uma vez, em um desses nossos encontros joguei verde, para ver se colhia maduro. Colhi. Ela falou que sim, que foi garota de programa por um tempo, afinal era o que melhor pagava, segundo ela. Depois, como o tempo é cruel, ela percebeu que cada vez menos clientes a procuravam, e resolveu trabalhar com todo tipo de tratamento estético. Manicure, pedicure, corte de cabelo, depilação, massoterapia. Mas manteve um portfólio de clientes que se mantiveram, assim, fiéis. Complemento de renda, como ela dizia e como dizem os especialistas. 

Na eleição passada, ela veio com uns papos estranhos. 

Primeiro falou de uma foto do candidato de esquerda segurando um consolo gigante. Pesquisei o assunto, e vi que foi feita uma montagem a partir de uma foto em que o candidato segurava uma garrafinha de catuaba. Mostrei para ela, mas a expressão foi de quem não se convenceu muito.

Depois ela veio com o papo da mamadeira de piroca. Eu disse para ela que aquilo era absurdo. Tinha que ser muito tosco para acreditar. Além disso, ela não tinha nenhuma criança para se preocupar, enquanto eu tinha filho pequeno. Segundo ela, sua preocupação era com as crianças do país. Aí fui eu que não me convenci muito.

A gente teve umas discussões feias. Depois chegamos a um acordo mais ou menos implícito para evitarmos falar de política. 

Assim, não sei se será conveniente falar com ela esta semana.

Vai que ela toque no assunto.

Não sei o que seria pior. 

Ela classificar o ex-deputado como uma espécie de mártir, lutador da liberdade, afinal, na prática, ele estaria praticando aquilo que o presidente vive repetindo, que “povo armado jamais será escravizado”. 

Ou ela dizer que o presidente não tem nada a ver com o caso. Que o ex-deputado é simplesmente um descontrolado (falar nisso, uma amiga minha falou que o problema dele foi ter feito cirurgia bariátrica. Acabou com o bom humor dele). 

Em qualquer caso, vou ficar chateada e xingá-la. 

Melhor dar um tempo.


24, 25/10/2022.

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