Imobilidade



 – Tenho acompanhado teu blogue.

 – Legal. 

Era João que falava comigo. Estávamos em um café em um shopping na zona norte. 

Eram dias de nova cepa da peste, mas, cinquentões e vacinados, inclusive com doses de reforço, nos pusemos a correr algum risco. 

 – Fiquei especialmente impressionado com a crônica dos novos golpes de celular. Era uma crônica, não era?

 – Eu reputo como uma crônica. Alguém pode querer chamar de artigo, ou, talvez, até de notícia. 

 – Aquele texto alimentou minha paranoia. Eu sou um pouco. Não tanto quanto nossa amiga Liliane, mas sou. 

E aí João mencionou nossa amiga. Paranoica, ou tecnofóbica, ou paranoica e tecnofóbica. Liliane não baixava aplicativo de bancos no celular dela. O máximo que se permitia era fazer operações nos caixas automáticos, não sem antes olhar para trás, para conferir não havia ninguém próximo. Também costumava limpar a tela sensível ao toque, e teclar os botões dos terminais aleatoriamente, cada vez que terminava uma operação nesses caixas automáticos. Eu sorri à menção de Liliane. 

 – E aí?

 – Não lembro se tu deu como sugestão ter outro aparelho, mas resolvi adquirir outro. Com todo gasto gerado, ainda acho mais tranquilo que se algum golpista me roubasse o celular. Não que eu tenha muito dinheiro em banco, mas como tenho o nome limpo na praça, o desfalque podia vir na forma dos tantos empréstimos facilitados que os bancos oferecem. Como não vai ser fácil explicar que focinho de porco não é tomada, já que às vezes os bancos relutam em assumir o prejuízo, melhor não arriscar.

 – É. Pode ser uma solução para diminuir o risco. No texto tem um delegado citado sugerindo isso. Como eu falei lá, seria como pagar um seguro. 

 – Sim. 

 – O estranho foi que no celular novo eu quis colocar os aplicativos de transporte. 

 – Normal. O que tem de estranho? 

 – Eu uso normalmente o pretinho e o amarelinho. 

 – Sei. 

 – O pretinho tudo bem, instalei no telefone novo e saiu funcionando. 

 – E o amarelinho?

 – Aí é que está. Na hora de completar o cadastro, quando eu coloquei o meu emeio, o aplicativo disse que não podia ser usado, porque pertencia ao cadastro de outro telefone. Genial, não?

 – Sério? 

 – Sério! Eu liguei para o suporte do aplicativo, e a atendente disse que realmente era assim. Gênios. 

 – O que tu vai fazer? Vai criar outro emeio? É fácil. Tem vários provedores gratuitos. 

 – Estou pensando. – Terminou ele, com expressão algo enigmática. 


07/02/2022.

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