Mãe, faz um ano que estou aposentado


Mãe,


Faz um ano que estou aposentado. De fato na data em que escrevo, faz um ano e um dia. 

Tudo passou muito rápido, mãe. Como rápida parece a vida quando olhamos para trás. 

1980. No final daquele ano a Lúcia informou que havia uma vaga para office-boy na empresa em que ela trabalhava. Sim, houve nepotismo. Eu tinha quatorze anos. Meu primeiro contrato de trabalho foi assinado em janeiro de 1981. 1981. Aquele seria o ano em que o pai se aposentaria e eu começaria a trabalhar. Office-boy, como já disse. 

E a frase que ficou na minha cabeça foi o teu comentário, ou recomendação, que, começando cedo assim, antes dos cinquenta anos eu poderia ter uma aposentadoria e garantir um salário mínimo por mês. Era algo significativo porque o pai sempre teve contratos precários, mesmo sendo um bom profissional pedreiro. Havia aquelas histórias que contavas, que na primeira metade do século XX, quando houve as primeiras leis concedendo férias ao trabalhador que trabalhasse por um ano inteiro, os patrões demitiam os empregados aos onze meses de contrato. Ou sobre como foi bom quando criaram o décimo terceiro salário, de fato um bônus de fim de ano para os assalariados. 

Pois é, mãe, os sucessivos governos, os poderes executivo e legislativo, me trapacearam. Desde os anos 1990, fizeram sucessivas reformas da previdência que me impediram de solicitar aposentadoria aos 49 anos, conforme o previsto. Curioso, mãe, como pessoas de elite, por exemplo, os economistas estão sempre prontos a justificar danos aos direitos dos trabalhadores em nome da saúde das contas públicas. Esse mesmo tipo de pessoas costuma dizer que para a economia crescer, é preciso haver estabilidade ou segurança jurídica para os negócios. É isso, os empresários precisam de segurança jurídica. Já os trabalhadores podem ter seus direitos surrupiados por maioria do Congresso e sanção da Presidência da República. Para os trabalhadores segurança jurídica é miragem. 

Mas tudo bem. Em lugar dos 35 anos que eu deveria trabalhar para poder me aposentar, trabalhei por 42. Estou vivo. Relativamente bem para a idade. 

Aderi a um plano de incentivo à demissão em setembro de 2022. Não sei se sabes, mãe. Chorei no dia da adesão a esse plano. De alguma maneira era o fim de uma jornada. O início de outra, mais breve provavelmente. Como se algum fardo saísse de minhas costas e eu tivesse cumprido com algo que esperavam de mim. Como se eu tivesse cumprido com algo que esperavas de mim. 

O desligamento da empresa foi em abril de 2023. O benefício da aposentadoria foi concedido em julho, mas já me sentia aposentado desde a demissão.

Pois é, mãe, faz um ano que estou aposentado. E, bem, mãe, recebo mais que um salário mínimo. 


15, 16/04/2024. 

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