Diário – leituras – Brasil, o romance
Talvez encorajado pela leitura de O Tempo e o Vento no primeiro ano da pandemia, resolvi ler este já meio antigo livro (esta edição tem 35 anos), publicado nos anos 1980, quando eu era jovem. Como devo ter dito, além das páginas de resenha e das propagandas na época, vi um exemplar na casa de um missionário americano que trabalhava então em Porto Alegre, o Pastor Richard Hipps. Ele nunca me confirmou se chegou a ler o livro, portanto não sei a opinião dele.
Este Brasil, “o romance”, é um livro de ficção escrito por Errol Lincoln Uys. Uys é um autor sul-africano.
Neste olhar estrangeiro para o país, ele colhe alguns pontos-chave da história do país, para contar quase quinhentos anos de história.
Nesta edição brasileira, foram dois tomos, com oito divisões temáticas, para falar sobre esses quinhentos anos.
O livro começa muito propriamente contando histórias dos povos nativos, pouco antes da chegada dos europeus. Costumamos chamar os povos nativos de índios, mas o autor tem o cuidado de mostrar que nesse território onde hoje é o Brasil, viviam tupinambás, tupiniquins, tapajós, nhambiquaras, e outros (a canção Ruas da Cidade, dos irmãos Lô e Márcio Borges, no Disco Clube da Esquina 2, começa nomeando ”Guaicurus Caetés Goitacases Tupinambás Aimorés...”). Quem nos conduz nesse período é o guerreiro tupinambá Aruanã, que vivia no litoral de onde hoje é a Bahia.
A partir da chegada dos portugueses o autor divide a narrativa geograficamente. Se a chegada dos europeus se dá onde hoje é a Bahia, um desses focos narrativos é em Pernambuco, com a cultura do açúcar, que logo vai trazer a escravidão de africanos como trabalhadores dos canaviais. Ali se estabelece Nicolau Cavalcanti, patriarca de uma família cuja saga acompanharemos ao longo dos séculos seguintes.
No sul, o foco é em São Paulo, sua luta por subsistência, e, no princípio, com a escravização de índios. Ali a saga familiar começa com Bernardo Silva, ele mesmo um mestiço, filho de pai português e mãe tupinambá. E em seguida, seu filho Amador Flores da Silva.
Embora seja uma obra ficcional, o livro nos lembra como a história do Brasil foi feita com violência, escravização, derramamento de sangue. São africanos escravizados. São nativos, em parte escravizados, e em grande parte dizimados ou extintos.
O autor explora os grandes temas da História do Brasil. A invasão holandesa no Nordeste. As Bandeiras em busca de metais e pedras preciosos pelo interior (esgotada a exploração da escravização de indígenas). As aspirações independentistas dos inconfidentes nas Minas Gerais.
Pulando o processo de independência, o autor mostra o escravismo vigente no segundo império. Depois se detém nas atrocidades da Guerra do Paraguai.
Por fim fala da nascente república, e da violência em Canudos.
E termina de uma forma um pouco anticlimática (na opinião deste leitor), com a construção de Brasília.
Uma obra que foca o país, mais que personagens. Os personagens tentam dar uma explicação de como o país se formou, ou porque o país é assim.
Como já dito, com um olhar estrangeiro.
Eu já havia lido Viva o Povo Brasileiro, de João Ubaldo Ribeiro, que também conta uma história do Brasil, mas com uma chave mais satírica (apesar de tudo, apesar de toda violência do Brasil). E o referido O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo, um romance da formação do Rio Grande do Sul.
Achei uma obra interessante. Talvez longa em alguns momentos, mas que vale a leitura. Senti falta de alguma narrativa sobre a Revolução de 1930, e, escrevendo agora, sobre o processo de independência. Verdade que se o autor resolvesse se debruçar sobre esses tópicos, o livro poderia passar das quase 1200 páginas desta edição, para 1500 ou 1600 páginas. Haja tempo para tanta leitura.
Uma obra dessas é uma obra de engenharia ou arquitetura complexa. Talvez haja um tipo de escola de formação de livros assim nas tradições da escrita em língua inglesa. Não à toa, uma frase de elogio publicada na contracapa, é do autor James A. Michener, que escreveu diversos romances contando histórias de países ou regiões. Podemos pensar também em Leon Uris, cujo livro Exodus é uma história da formação do moderno Estado de Israel. Ou ainda Ken Follett, cujo livro Pilares da Terra, transforma a construção de uma catedral no interior da Inglaterra no século XII (ou XIII, não lembro com certeza), em uma saga que demonstra o estado de guerra civil daquele país naquele momento.
Enfim, para quem conseguir achar em sebos, é uma leitura interessante.
UYS, Errol Lincoln. Brasil. São Paulo: Best Seller, 1986.
25/01/2022, 21/02/2022.
Comentários
Postar um comentário