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Mostrando postagens de 2020

Divagando sobre lentilhas

Lentilhas na panela parecem moedinhas. Olhadas em boa porção no fundo de uma panela, transformam a panela em um pote de tesouro.  Mas claro, só percebi isso quando eu mesmo comecei a preparar lentilhas, o que aconteceu neste ano da peste de 2020.  Isso me deixou com uma pulga atrás da orelha, sobre se eu deveria achar um novo significado na narrativa bíblica, em que Esaú "vende" seu direito de primogenitura (ser o primogênito, o irmão mais velho, dava direito a uma porção maior da herança, e à liderança do clã) a Jacó, seu irmão, por um prato de lentilhas. Está no livro de Gênesis, capítulo 25, versos 29 a 34. A versão da Bíblia de Jerusalém termina dizendo, "Então Jacó lhe deu pão e o cozido de lentilhas, ele comeu e bebeu, levantou-se e partiu. Assim desprezou Esaú seu direito de primogenitura." Ou talvez não, seja só viagem desse cronista. A Nova Tradução na Linguagem de Hoje só fala em um "ensopado".  Ensopado, cozido... a propósito, devo dizer que a p

Sem mini-histórias nas duas últimas quintas-feiras de 2020

Aviso aos frequentadores e navegantes deste blogue: não haverá publicação de mininarrativas nas próximas duas quintas-feiras, dias 24 e 31 de dezembro. Vésperas de Natal e Ano Novo, o blogueiro se dará uma folga nesses dias.  23/12/2020.

O Natal de 2020 foi cancelado!

O Natal foi cancelado! Papai Noel é grupo de risco, e não deve sair de casa a entregar presentes.  Outra: Papai Noel retorna à casa, pouco depois de sair. Mamãe Noel estranha, "já entregaste todos os presentes?". "Nem comecei. Esqueci a droga da máscara!".  Mais uma: Papai Noel desce pela chaminé, e ao entrar na casa, dá de cara com uma família judia. Ele se desculpa. "Ih! Família errada! Desculpe!".  Todas essas imagens, são resultados de memes que as redes sociais espalharam nestes últimos dias.  Talvez com uma cultura forte como a judaica, o Papai Noel possa ser deixado de lado, embora eu não tenha certeza.  Mas lembro que tendo lido uma revista semanal, lá pelo final da década de 1980, quando revistas de notícias ssemanais eram relevantes, uma reportagem sobre o Natal mostrava a penetração da figura do Papai Noel entre culturas não cristãs, em especial no Japão. Acredito que o mesmo esteja valendo para outras nações do Extremo Oriente.  Faz bastante se

O que vale uma glândula (II)?

Nos dias após completar 60 anos, o fauno subiu uma colina, e continuou seu discurso, "pois que serve ao homem sobreviver ao tumor, e não mais viver?" 08/12/2020

Balanço 2020

Relembrando. Em fevereiro talvez, a gente ouvia no noticiário sobre uma nova peste na China, no que parecia um caso algo recorrente. Uma nova gripe, uma nova síndrome respiratória, surgida no Extremo Oriente, que possivelmente ficaria restrita à região.  Não ficou. Logo soubemos notícias de contaminações na Europa, em especial na Itália.  Na metade de março, o governo estadual cancelou as aulas presenciais. E logo muitos trabalhadores foram enviados a trabalhar em casa. Inclusive eu.  Lembro que por conta da dificuldade de conexão, e entraves tecnológicos, ainda tive um dia extra de trabalho local. E como achei estranho quando um colega apareceu usando uma máscara.  Era o início da quarentena, que muitos de nós imaginávamos, seria breve, quarenta dias mesmo, ou, no máximo uns dois meses. Vã ilusão. Fui uma das tantas pessoas que teve o privilégio do home office, mas, às vezes, eu tinha atividades que precisava desempenhar na própria empresa.  A primeira vez foi em abril. Dias de muito

Diário - leituras - Cidade Cinza

"Cidade Cinza" é uma interessante e divertida novela, escrita a vinte mãos (dez escritores), dirigida por Gilberto Fonseca (digo dirigida por ele, porque ele escreve sete dos vinte seis capítulos, incluindo os três primeiros e os dois últimos, o que direciona a história no início e acaba por lhe dar desfecho), em clima de suspense "noir", a partir do triângulo amoroso, formado por Marco, Laura e Alex, colegas policiais, que acabam envolvidos em uma trama com muitas reviravoltas. Começando pela "capital" (Porto Alegre?) e indo a uma cidade menor, não nomeada (imaginei Pelotas ou Bagé). Nesse experimento, houve colaborações em intensidades diversas. Além dos sete capítulos de Gilberto Fonseca há colaboradores com mais de quatro capítulos até aqueles com apenas 1. A propósito, justamente me recenti da ausência de um sumário. Os capítulos vão aparecendo, com o nome dos autores, a cada início.  Foi um livro divertido, com um final quase clássico. Mas há um poré

Lives, lives - dezembro de 2020

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Anteontem vi em videotape a entrevista dada por Rubem Penz ao Luiz Gonzaga Lopes, do Correio do Povo. Uma live sobre o lançamento do livro Marias e Clarice, resultado da masterclass da Santa Sede em 2020. Linque: https://youtu.be/OHZlxUTJS50 Ontem à noite, 10 de dezembro, dia em que Clarice Lispector estaria completando 100 anos, foi o lançamento do livro Marias e Clarices, com live (como poderia ser diferente neste ano da peste?) do Rubem junto com as autoras. Em seguida devo ter o tal livro. Linque: https://web.facebook.com/1479614805/videos/10219490638444826/ Lives para o registro.       11/12/2020

O que vale uma glândula?

Um dia após completar 60 anos, o fauno subiu uma colina, e gritou, "felizes os que morreram antes de terem a próstata extirpada, porque não se sentiram castrados!" 08/12/2020

Dentes

O mais recente ingrediente adicionado foi o gel de clorexidine a 0,12%. Totalmente insípido. O princípio ativo é o mesmo dos enxaguantes bucais para tratar periodontites graves, e ajudar a combater infecções bucais pós-operatórias, presente em diversos produtos cujo nome mais famoso é Periogard. Quando criança, sempre fui bastante relaxado em relação à minha higiene bucal. Inclusive, quando criança, relaxado para mim era sinônimo de... sujinho! Não de um sujeito tranquilo, repousado. Enfim. No fim da infância, ou início da adolescência, minha mãe me levou a avaliar meus dentes, em tratamento pago pelo antigo INPS. Havia um centro de triagem na Galeria Malcon. O andar eu não lembro. Dali fui encaminhado para um dentista que tratou muitas cáries, decorrentes dessa infância descuidada. Ele atendia em um daqueles belos prédios da Borges de Medeiros entre a Andradas e a Salgado Filho. Até hoje carrego obturações de amálgama de prata daquela época. No decorrer da adolescência, meus dentes su

Diário - leituras - Bech no Beco

Este livro, que apresenta um subtítulo "Quase um Romance", é a compilação em um volume de cinco novelas sobre o personagem Henry Bech, um escritor judeu americano, já idoso. Ou pelo menos foi isso que me pareceu. Cada um dos cinco capítulos, uma novela diferente, com começos, meios e finais em si mesmos.  A primeira "Bech em Tcheco" conta a história do escritor em missão cultural para a Embaixada dos Estados Unidos, na então comunista Tchecoslováquia, suas reflexões, seu relacionamento com o embaixador americano e a esposa deste, sua interação com ativistas culturais dissidentes.  A segunda história, "Bech preside", fala de como Bech assume como presidente de uma certa academia de notáveis artistas, uma instituição que já foi mais relevante. Aqui também são mostradas rivalidades, lutas de egos, entre os diversos artistas que compõem essa academia.  Em seguida, "Bech declara-se culpado", mostra como o nova-iorquino Bech precisa se dirigir à Califó

Tranco

Naqueles dias soube do agravamento do câncer, sem remédio, do amigo de longa data.  Mais uns dias, teve uma briga séria com a namorada. Resolveram dar um tempo.  Uma semana depois, quando o cachorro morreu, chorou. Muito.  30/11/2020.

Diário - leituras - Os Anos Dourados na Praça da Alfândega - volumes 1 e 2

Comigo, a história destes livros começa na Feira do Livro do ano passado (2019 - 65ª edição), em um balaio de saldos na barraca da editora. Lá estava o volume dois de "Os Anos Dourados na Praça da Alfândega". Como gosto de ter e ler livros sobre a história da aldeia, isto é, de Porto Alegre, peguei o livro, olhei a contracapa, as orelhas, o início, e quis comprá-lo, como de fato o fiz. Os textos iniciais falavam de causos do falecido cronista Paulo Sant'Ana. Perguntei ao atendente da banca se eles tinham o volume um, mas ele disse que estava esgotado. Decidi então procurar o volume um em revendas na internet, onde o encontrei e adquiri. Mas o volume dois me enganou bem. Esses anos dourados da Praça da Alfândega, são de fato os anos de juventude do autor, entre as décadas de 1950 e 1960, talvez um pouco mais. Para quem não conhece Porto Alegre, é bom situar: a Praça da Alfândega fica no centro da cidade, hoje chamado de Centro Histórico, distante duas quadras de onde hoje

104 Anos

"Semana que vem é o aniversário do meu pai." "Tu queres dizer, 'seria o aniversário do teu pai', né? Ele já se foi faz bastante tempo." "Se tu preferes dizer assim, tudo bem. Não vou discutir por isso. Mas para mim é o aniversário do velho. Inclusive era por essa época que eu mais costumava visitar o túmulo dele. Dele e dos outros." "E tu vais escrever sobre isso?" "É bem possível. Essas datas me fazem refletir. Lembrar." "Vê se pega leve. Eu achei bem pesado falares em 'fantasmas que carregas na alma' semana passada." "Mas é como eu sinto mesmo. Como se os carregasse em mim. Inclusive tem aquilo de dizerem que quando eu morrer, eles morrem junto. Ou morrem um pouco mais." "Vê se não vai se deprimir. Aliás, nem sei por que tu falas tanto nisso. O que tu ganhas com isso?" "Nunca pensei em ganhar. De qualquer forma, a vida não é apenas uma sucessão ou acumulação de coisas boas, que a gen

Diário - leituras - Sem / Cem Palavras

Em literatura, normalmente estamos acostumados com estrutura na poesia. Estão aí os haikais com seus três versos, em dezessete sílabas; ou os sonetos com seus dez versos, duas quadras e dois tercetos; entre outros menos conhecido.  Neste caso, uma estrutura foi proposta para a prosa. Os autores convidados deveriam escrever uma história com cem palavras, e assim se estruturou um livro: vinte autores(as), tendo cada um(a) escrito cinco histórias, em um livro com cem minicontos.  Faz algum tempo li essa coletânea "Sem / Cem Palavras", coletânea de contos curtos, ou minicontos.  Como expliquei, são cem contos. E comentar um por um demandaria uma dedicação imensa. Não farei isso. Direi apenas, que, como se poderia esperar, com vinte autores, há uma variedade de temas e estilos e de temas. E como os contos se limitam a cem palavras, têm que ser sucintos. E alguns autores tornam seus contos crípticos, deixando muito à imaginação do leitor.  Nesse caso, meu destaque vai para Gustavo

Lives que substituem eventos - Santa Sede Safra 2020

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Neste ano da peste, como eu já disse antes , quase tudo virou "live". Ontem à noite, 26 de novembro de 2020, foi feita uma live para substituir uma sessão de autógrafos que deveria haver para o lançamento do livro Santa Sede Safra 2020, tema "Eu, hein?".  Quem acompanhou, pôde ver o Rubem em uma tela, com os nove cronistas em uma tela dentro da tela, comentando sobre o livro. Sim, os bares estão abertos, mas a tradicional sessão de autógrafos em um bar traria aglomeração de gente, pois lá estariam os cronistas com seus amigos e familiares, enchendo o tal bar. Como diria o Rubem em tais eventos "o bar é nosso".  Eu gostaria de estar lá.  Eu provavelmente fotografaria um pouco lá, talvez o Marcelo Leal estivesse fotografando lá, provavelmente o Ivan Penz estaria fotografando lá. Possivelmente cada pessoa portadora de um celular estaria fotografando lá.  Bebendo, confraternizando, pegando autógrafos.  A live me pareceu uma pálida e insuficiente compensação. 

Diário - leituras - Amarelo e Marrom

Tomei a iniciativa de ler esse livro pelo comentário do colunista Sérgio Rodrigues  . Indicação de literatura sobre o racismo nosso de cada dia? Achei interessante. Tanto mais, que a história se passa em parte em Porto Alegre.  Depois de ler o livro, constato que a maior parte do livro é ambientado em Porto Alegre. Principalmente no bairro do Partenon, com descrições realistas, de suas ruas e estabelecimentos.  A história é contada por Federico, irmão de Lourenço. Filhos de pai negro e mãe branca, Federico tem a pele clara, Lourenço a pele escura. Para dar mais matiz à história, o pai negro de ambos é um importante policial civil, encarregado das perícias.  De pele mais clara, é Federico que acaba por se envolver com a militância negra. E por conta disso, é convidado a participar de uma comissão em Brasília, onde se busca uma maneira de validar as cotas para negros e indígenas. Durante as discussões da comissão, um incidente grave acaba por fazer com que Federico se sinta compelido a v

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Ele a adorava e a achava linda. Cada vez que saíam ficava impaciente com a expectativa que iriam transar.  Ela o admirava e o achava inteligente. Cada vez que saíam dizia que gostava de falar com ele e que sexo não importava.  13/11/2020.

Mensagem a Mário, a respeito de seu livro Travessia

Caríssimo Mário, Acabo de ler seu recente livro Travessia. De fato uma travessia, do Atlântico, da Europa para a América, de um continente consolidado para um onde a maior parte das coisas estava por ser feita. Sim, la vêm Ignácio e Elvira, em um brigue para o Novo Mundo, no início do século XIX. A leitura flui bem. Sabes, até quase o seu final Travessia me lembrou as obras infanto-juvenis de Francisco Marins, que li na infância, e acabei por ler e reler depois de adulto . A novela em um Brasil agreste, onde o chamado homem civilizado precisa conquistar a natureza. O que li dele é ambientado por São Paulo e Mato Grosso. Agora tenho também a tua novela. Com a diferença de ser endereçada ao público adulto. Mas, quem sabe? O universo está criado. Quem sabe a tua imaginação não cria um protagonista jovem trazido criança para a região da colônia de São Leopoldo, onde precisará desbravar a natureza e ter aventuras? E ainda, para se assemelhar mais aos livros de Marins, tua novela é ilustrada

Pity, um cachorrinho (+ 24/11/2020)

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Pity nos deixou. O cachorrinho mais inteligente e educado com que convivi cotidianamente se foi. Com data de nascimento não sabida, estimo que estivesse com alguma coisa como quatorze ou quinze anos. Peludo, pelo longo, preto e branco, porte pequeno, lhasa-apso sem raça definida, Pity chegou resgatado pela Linda no bairro Anchieta. Sempre ficamos nos perguntando como um cão tão manso, doce e educado estava abandonado naquele arrabalde da cidade. Será que alguém teve coragem de largar um cachorro como ele? Ou será que foi roubado com algum carro e largado lá? Bom, ele nos deu muitas alegrias. Foi companhia fiel para todos da família. E inclusive foi pai de uma ninhada. Seu filhote Max continua. Em relação a ele, houve o registro em duas crônicas, e um poema. O poema Aflição de Cachorro e a crônica-conto Cabeçada de Cachorro foram registrados no blogue. A crônica memorialística Inventário de Cachorros foi publicada em Palavras de Quinta, livro coletânea, dos alunos da oficina literária

PITY by GOOGLE PHOTOS

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Matando Preto no Dia da Consciência Negra

Não exatamente no Dia da Consciência Negra, mas na véspera. O que você pensaria se alguém querido seu fosse assassinado a socos às vésperas do Natal? Pois ontem, dia 19 de novembro de 2020, uma quinta-feira, um cidadão negro, João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, foi assassinado em um supermercado na zona norte aqui de Porto Alegre.  O mercado, filial de uma rede de lojas espalhada por todo o Brasil, se eximiu da culpa, responsabilizando a empresa terceirizada pelo incidente, inclusive com rompimento imediato do contrato. Informando ainda que dará toda assistência à família do assassinado. Aqui vale um parêntese: essa rede precisa rever seus protocolos, pois é o terceiro incidente grave em que está envolvida nos últimos anos. Em 2018, um segurança de uma loja matou um cachorro de rua que rondava uma loja em Osasco a pauladas. Em agosto deste ano, um funcionário teve um mal súbito em uma loja no Recife. Em lugar de fechar a loja, o corpo foi isolado, em uma tentativa de escondê-lo.  T

Espera

Sentado no banco da praça, o molambo perguntou ao passante, "que horas, tu tem?". O passante diminuiu o passo, olhou o relógio de pulso, e respondeu "são duas e quinze.", e ainda perguntou "o senhor tem compromisso breve?".  13/11/2020.

Incomum Feira do Livro de Porto Alegre

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A 66a. Feira do Livro de Porto Alegre terminou no final de semana passado, dia 15 de novembro de 2020. Se há uma coisa que eu realmente gosto no calendário cultural de Porto Alegre é a Feira do Livro. Sua localização na mui central Praça da Alfândega, sob os decantados jacarandás e palmeiras imperiais. Devo ser um frequentador pontual desde comecei a trabalhar no centro da cidade, no início da década de 1980. Além disso, no final daquela década passei a trabalhar muito perto da Praça da Alfândega. Sempre fui um rato de balaios. No início pela grana curta. Depois meio que virou um hábito, onde sempre é possível encontrar um best seller de outrora baratíssimo, ou um autor semidesconhecido, que eventualmente acabei por conhecer, nessas oficinas de escrita das quais tenho participado. Para mim, a glória se deu quando estive autografando na 62a. edição da Feira a coletânea Santa Sede - Safra 2016. Mas como tantas outras coisas neste ano, a peste também afetou a Feira do Livro, em sua 66a. e

Siloni Maria Elesbão (16/10/1964 - 16/11/2020)

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Siloni Maria Elesbão faleceu na manhã de 16 de novembro de 2020, uma segunda-feira.  Nascida no interior de Cachoeira do Sul, veio para Porto Alegre, no final da infância, e por aqui estudou. Depois de ter completado o ensino médio, chamado segundo grau na época, ainda fez um curso técnico de Contabilidade. Trabalhou, principalmente no comércio.  Em 1989 teve oportunidade de conhecer a cidade do Rio de Janeiro, onde passou férias, acompanhando a irmã, e ajudando a cuidar do sobrinho ainda bebê.  No ano passado, dores abdominais à levaram a uma emergência hospitalar, e ela foi diagnosticada com câncer no intestino. Lutou bravamente contra a doença sendo submetida a uma cirurgia, onde teve que usar bolsa de colostomia por um período. Entre as diversas entradas e saídas do hospital, chegou a contrair Covid-19, doença da qual se recuperou. Infelizmente o câncer continuou avançando, e ela pôde ter apenas cuidados paliativos nas últimas semanas de vida. Tinha 56 anos, completados há um mês.

Diário - leituras - Livros de Miguel del Castillo

Entrei em contato com Miguel del Castillo por conta das resenhas jornalísticas para seu mais recente livro, "Cancún". Nessas resenhas é exposto o pano de fundo evangélico presente neste livro. Por conta disso, digamos, da nossa história comum, e pela literatura, fui atrás. Além de Cancún, descobri que o mesmo autor havia publicado há poucos anos o livro "Restinga", uma coletânea de contos, apresentada como dez contos e uma novela. Eu diria dez contos e um conto mais longo, mas isso sempre pode ser discutido. Quando eu mostrava "Restinga" aos meus amigos, aqui em Porto Alegre, sempre perguntavam pelo bairro homônimo no extremo sul desta capital. Não. Se trata da Restinga da Marambaia, no Rio de Janeiro, uma região ao sul do estado. No primeiro conto do livro, a protagonista relembra uma viagem com a mãe para lá. O segundo conto de Restinga se chama "Empire State", e traz um protagonista às voltas com o irmão surdo, e a vida na igreja. Outra histór

Morte limpa: últimas palavras

“Devia ter desligado o chuveiro quando senti o cheiro de fio queimado.” 08/07/2020.

Giro dominical

Hoje saí a rodar pela cidade Sozinho, nos trajetos que tantas vezes fazes comigo Passei devagar pelo Germânia Tanta gente Menos gente que imaginei Na Nilo, em uma sinaleira,  panfleteiros distribuem santinhos na campanha que vai findando Um senhor, meia idade quase velho Paramentado em traje quase formal, quase surreal Com óculos de aro redondo  Pede esmolas Levou-me um trocado A Redenção estava cheia Mas não tão cheia como pensei que estar poderia Larguei o carro num canto atrás do Instituto E caminhei pela alameda central à confeitaria Maomé  Pedir um cappuccino que tantas vezes tomamos juntos Dali retornei O carro acionei E fui à Orla Moacyr Scliar Ali sim, lotação quase total Gente, muita gente Gente de máscara Gente sem máscara e mais um monte de cabo eleitoral Os barcos voltaram Para o tradicional passeio no rio, estuário, lago Nosso mar sem onda Poluído litoral da capital E eu estava sem ti Sem te ouvir  Sem compartilhar chope Depois de passos para lá e para cá Sem destino, sem

Diário - leituras - Uma Trilogia de Francisco Marins

Quando eu estava com sete ou oito anos ganhei de presente um livro de Francisco Marins. Se tratava de "Volta à Serra Misteriosa", um livro que tratava de mineração e de bandeiras, e de uma serra mítica, rica em ouro, os "Martírios". Sei que aquilo me marcou. Li e gostei daquele livro. E ficou marcado na minha memória que aquele livro tinha sequências. E que eu bem que gostaria de ler estas sequências. Mas elas não vieram, não as ganhei. Veio um outro livro de Francisco Marins, "Viagem ao Mundo Desconhecido". Bom também, mas bem diferente, sobre a expedição de Fernão de Magalhães, a primeira volta ao mundo feita por ocidentais.  Provavelmente esses livros foram fundamentais para me inocular o prazer da leitura. Fossem as aventuras pelo Brasil Colônia, ou recém independentizado, fossem pessoas nesse mesmo Brasil narrando a viagem de Fernão de Magalhães. Pois bem. Depois de encontrar "Volta à Serra Misteriosa", num balaio de saldos de um sebo, resol

Tempos de ler O Tempo e o Vento

"O Tempo e o Vento", obra monumental de Érico Veríssimo é algo como nossa versão para "Guerra e Paz" de Tolstoi. São três livros, "O Continente", "O Retrato" e "O Arquipélago", que originalmente foram publicados em sete tomos, e abarca uma série de personagens, ao longo de 200 anos de história do Rio Grande do Sul.  Já foi adaptada ao audiovisual pelo menos duas vezes. Uma série televisiva pela TV Globo, na metade dos anos 1980, e um filme, de 2013. Devo dizer que não vi o filme, e o que que vi da série, já não lembro mais. Em todo caso, pelo que pude pesquisar, estas obras se detém mais no primeiro livro.  A propósito, este primeiro livro, "O Continente", subdividido em diversas histórias, tinha parte de seu conteúdo extraído, e era leitura obrigatória para muitos estudantes do ensino médio, antigo segundo grau, nos anos 1980. "Ana Terra" e "Um Certo Capitão Rodrigo" circularam muito em edições da antigo E

Predador

A coruja chegou a nós através dos policiais da patrulha ambiental. Eles a resgataram em um bosque ne periferia de nossa cidade, na Serra. Era uma coruja listrada. Linda! É curioso que a coruja seja considerada uma ave de rapina, "pequenos roedores tremei!", mas quando nos chega um espécime para nós assim, parece tão indefeso, e mesmo fofo. Estava com a asa esquerda fraturada, e o tipo de fratura nos sugeriu que ele recebeu um tiro, embora não possamos determinar o calibre. Com a asa quebrada e restrita ao chão, o bicho estava bem debilitado. A medicamos com antibióticos e analgésicos. Ela estava tão fraca que tivemos que forçar a alimentação. Assim foi por três dias. Estávamos confiantes que ele poderia se recuperar, mas nunca mais poderia voltar ao seu habitat natural. Viveria sob nossos cuidados para sempre. Ao terceiro dia a coruja morreu. Infelizmente.  14/09/2020.

Rabo de galo

Rabo de galo, aprendi. Uma dose de cachaça, meia dose de Cynar, meia dose de vermute tinto. Não conhece Cynar? Nem eu conhecia até ler uma receita na internet. Encontrei com facilidade no superrmercado em Porto Alegre. O rótulo informa que se trata de “aperitivo de alcachofra”. Em todo caso, quando o Cynar acabar não vou comprar outro. Terei um rabo de galo capenga. O vermute indicado é o tinto, mas tenho usado o branco. Tudo vale a pena quando a alma não é pequena. Uma dose é 50ml, acho que a mais usada no Brasil. Quase entrei em transe quando o Tom, a uma mesa de bar, me disse que uma dose não era necessariamente 50ml, mas que podia ser uma onça líquida. Eu que até aquele bate papo achava que uma onça era uma medida de peso, algo próximo da vigésima parte de uma libra, que é quase meio quilo, 454 gramas. E dependendo da fonte de consulta, pode ser que essas quantidades variem. Eu gostei assim. Fui pesquisar na internet, e vi que de fato existe a onça líquida, ou de medida de líquido

Higiene

  Isso é mais comum que eu gostaria que fosse.  No banheiro do shopping, após aliviar-se, o homem fechou seu zíper, e saiu porta a fora.  Provavelmente confiando na infinidade de totens de álcool gel disponíveis por ali.  07/10/2020.

Diário - leituras - As Mitologias Roubadas: os 12 trabalhos

Na Porto Alegre de 2070, que sobreviveu e se reconstruiu após um cataclisma, um estranho evento acontece na Biblioteca Pública, quando uma parte da fachada desmorona a altas horas da noite.  O inspetor de polícia Alberico Kraus é chamado a atender a estranha ocorrência. E para lá também vai o jovem Felippe Valenti, funcionário do estabelecimento.  Logo depois, o pai de Felippe é sequestrado por um misterioso criminoso, que propõe uma espécie de jogo ao jovem para que o pai dele lhe seja devolvido.  Esse é o início dessa aventura juvenil, em que Felippe vai ter que enfrentar tarefas análogas aos Doze Trabalhos de Hércules, da mitologia grega pré-cristã.  A história se situa no futuro, mas os sítios em que a história se desenvolve existem hoje e estão todos bem descritos no livro.  É uma narrativa relativamente longa, mais de trezentas páginas, que em algum momento chega a cansar o leitor, mas que traz um bom desenlace para que for perseverante.  Uma história que seria digna de ser trans

Hesitação

Já escrevi sobre meu trabalho , agora feito a partir de casa ("home office") por conta da peste, e me comparei, acho que com a devida humildade ao filósofo Immanuel Kant, em seu passeio diário. É uma caminhada para aliviar a tensão do trabalho e também mudar um pouco de ares. Sob sol, ou sob nuvens, mas não sob chuva. Pois hoje tivemos um amanhecer relativamente frio, e chuvoso, apesar de ser primavera, e de dias antes ter tido temperaturas por volta de trinta graus. Como se a natureza estivesse indecisa, tivemos momentos de chuva, estiagens em que apenas nuvens cobriam o céu, e até nesgas de sol apareciam vez por outra.  Encorajado pelo titubeio climático, e sempre querendo meu próprio bem estar mental, após almoçar, vesti a roupa da rua, incluindo a máscara, saí a caminhar em um momento seco.  Mas eis que há trezentos metros de casa, começou um chuvisco.  Com um casaco leve, e a cobertura de uma boina, decidi seguir em frente, pensando que se eu me molhasse, seria só o caso

Sonho miltoniano

Sonhei que caminhava pela noite de Porto Alegre, com uma turma que eu nem conhecia direito.  A caminhada passou por oníricos bairros Petrópolis, Santa Cecília, Bom Fim e Cidade Baixa.  Passou por bares e restaurantes, bares-restaurantes.  Da turma com quem eu andava, o único que pude reconhecer foi o Milton. Sim, o Nascimento.  Andando por bares e restaurantes, fizemos uma longa caminhada.  Nada de relevante a conversar. Só o aparente prazer da companhia e da diversão.  Não sei se tem a ver. Talvez Freud explicasse. Ontem Milton completou 78 anos.  27/10/2020. 

Diário - leituras - Mistério no Centro Histórico

Li esse livro em 2017. Gostei na época.  O livro narra a tentativa de elucidação de uma explosão no centro de Porto Alegre. O detalhe é que a polícia havia esvaziado um shopping da cidade momentos antes por conta de uma ameaça de bomba.  Por conta disso, o livro conta a história de João Macedônio, bon vivant  e candidato a escritor, e do detetive Walter Jacquet, nessa história com ameaças terroristas, e tendo a cidade de Porto Alegre como palco e personagem.  DINIZ, Tailor. Mistério no Centro Histórico. Porto Alegre: Dublinense, 2016. 26/10/2020.

Sonho bisonho

Sonhei que eu estava triste.  Estava na casa da Cefer, e minha irmã tinha morrido.  Saí do quarto e caminhei até a cozinha, onde minha mãe cozinhava.  Abracei minha mãe, chorando. "A Lúcia morreu!".  Eu chorava e minha mãe não dizia nada. Minha mãe morreu dezoito anos antes de minha irmã. 26/10/2020.

Bola de Pelos

Na pet shop viu uma luva para retirar excesso de pelos do bicho de estimação. Comprou. Ao chegar em casa, abriu a embalagem, calçou a luva, pegou o gato no colo e começou a alisá-lo.  Os pelos começaram a aderir à luva. Alisou, alisou, alisou. E assim foi por mais um tempo. Quando deu por si. O gato havia sumido. Em sua mão, uma imensa bola de pelos.  29/09/2020.

Aniversários Imaginários

20 de outubro. Aniversário de minha irmã. Ela faria 73 anos este ano.  Eu novamente iria à casa da Cefer, onde encontraria uma mesa com uma torta doce, uma torta fria salgada, salgadinhos, entre eles a pizza caseira, talvez alguns doces, cerveja, refrigerantes, chá, provavelmente de maçã.  Encontraria talvez algumas amigas dela, que estivessem confraternizando. Liana, Isa, Dóris...  Isa um caso pouco comum de uma amizade herdada. Sim, Isa comparecia aos aniversários de minha mãe. E o tipo de celebração de aniversário de minha mãe não seria muito diferente. A mesma torta doce, a mesma torta fria, a pizza caseira, os doces, a cerveja, o refrigerante, o chá. Na mesma casa da Cefer. A diferença é que o aniversário de mamãe era em 3 de fevereiro. Em 2020? 95 anos. Possível. Difícil, mas possível.  O pai? Já não sei o que seria servido no seu aniversário. Talvez uma caipirinha ou várias. Até a língua ficar pastosa, e minha mãe reclamar que ele já tinha bebido até a língua ficar pastosa. Talv

Diário - leituras - As Sobras de Ontem

Comprei esse livro motivado pela propaganda da editora na revista Piauí. Dizia "Um retrato do Brasil através da dissolução de sua elite econômica, uma das estreias mais promissoras da nova literatura brasileira", e mais, uma apresentação de Michel Laub, "Falar da elite brasileira sem caricatura, tentando entender os afetos que geram sua degradação privada e pública no passado e no presente, já seria algo raro na nossa literatura. Mas a estreia de Marcelo Vicintin vai além, acrescentando a esse ponto de vista sabor, humor e habilidade narrariva." Ainda, a orelha é escrita pela resenhista Camila von Holdefer, com uma boa síntese da história.  Dito tudo isso, o livro é bom, mas passa longe de retrato do Brasil através da dissolução de sua elite econômica. Parece mais um retrato de certa elite paulista, através de dois relativamente jovens representantes.  Egydio Poente, um filho da elite que se tornou líder da empresa de navegação da família e acabou preso por conta de

Expectativas

  Ele tinha muitos planos para o sábado; sair, caminhar, respirar, até sentar em uma cafeteria, beber um café e comer uma fatia de torta (mesmo com máscara e mantendo o distanciamento social).  A chuva começou de madrugada e se prolongou pelo dia todo.  05/10/2020.

Conduire ou pas conduire, c'est la question

Outro dia comentei que minha atividade física quase diária é caminhar perto de casa após o almoço. Com máscara e mantendo distanciamento social.  Entre outras coisas, me chama a atenção o fato de, em um raio de uns cem metros de casa, haver três automóveis com ares de abandonados.  Sabe aquele carro acumulando sujeira sobre a lataria? O estofamento perdendo a cor? As ervas daninhas crescendo ao redor da vaga que o veículo ocupa? O musgo nos pneus? Esse é o quadro.  Um deles inclusive teve as placas retiradas.  O que leva a esse quadro? Há muitas possibilidades. Certamente os proprietários desses veículos não têm áreas para guardá-los em seus imóveis. Também não querem gastar grana com aluguel de garagens. Pode haver uma pilha de multas acumuladas cujo valor ultrapasse o do carro. Por fim, carros há muito tempo parados demandam auxílio mecânico para voltarem a funcionar.  Eu já estive em uma situação parecida. Um carro velho, que não estava totalmente abandonado, mas cujo estado dele, e

Diário - leituras - O Preto que falava íidiche

Tendo como mote o amor entre Nozinho, ou Lindonor Santana, jovem órfão negro, afilhado do narrador desta história, e Raquel, filha de uma família de judeus que se estabeleceu no Rio de Janeiro, então Capital Federal, no início do século XX, este livro do escritor, pesquisador e compositor Nei Lopes, se apresenta como uma espécie de Romeu e Julieta carioca.  Mas, de fato, pelo seu vasto elenco de atores e acontecimentos, o livro me parece muito mais um inventário, centrado na comunidade preta (negra? afrodescendente?) daquele início de século. O livro trata com leveza, de maneira até risonha, os sofrimentos e a marginalização sofrida por esse povo.  Nessa história de Nei Lopes, os negros já eram historicamente marginalizados. E o que me pareceu novidade é que a comunidade judaica, de imigrantes oriundos em sua maioria da Europa Oriental, também era um grupo então estigmatizado, com o antissemitismo da época.  Nesse contexto, Nozinho, esse rapaz esperto, percussionista, e com facilidade

Frenética Perseguição

A refrega foi feia.  Os policiais faziam campana em frente a uma casa, quando um carro com quatro homens se aproximou. Os policiais foram abordá-lo, mas o motorista acelerou e fugiu em disparada.  Os policiais saíram em perseguição.  Alertaram outras unidades. Até um helicóptero foi chamado à ocorrência. Houve tiroteio.  O veiculo dos suspeitos teve os pneus furados. Parou. Quatro indivíduos  foram presos.  Ninguém se feriu gravemente.   25/09/2020.

Trabalho em Casa, Immanuel Kant e Eu

Immanuel Kant (1724-1804) é conhecido por quem tenha estudado história da filosofia. Considerado um dos principais filósofos modernos, sua influência se espalhou pela filosofia alemã através do século XIX. Suas obras mais conhecidas são Crítica da Razão Pura e Crítica da Razão Prática.  Durante toda sua vida ele viveu em sua Königsberg natal, e de lá quase não saiu (desde a Segunda Guerra Mundial Königsberg é território russo e se chama Kaliningrado). O perfil biográfico de Kant registra um traço anedótico a seu respeito. Professor e filósofo, metódico, dizem que todas as tardes, às 15h30min, Kant saía para fazer seu passeio diário, uma caminhada nos arredores de sua casa. Em uma época de poucos e caros relógios, as empregadas da vizinhança se orientavam quanto ao horário, pela caminhada do filósofo. Pois eu, desde março estou trabalhando a partir de casa, por conta da peste.  No início da tarde, depois do almoço, troco de roupa, visto máscara, mantenho distância e caminho pela rua em

Diário - leituras - Para diminuir a febre de sentir

Quando publiquei no blogue sobre o recebimento de "Para diminuir a febre de sentir", alguém me perguntou, "tu queres diminuir a intensidade dos sentimentos?". Tive que dizer que o livro não era de autoajuda, mas uma coletânea de crônicas. Sim, uma coletânea de crônicas, algumas com alto teor poético, de Dalva Maria Soares, com prefácio de José Falero.  Crônicas com bastante sentimento, como indica o título.  Das dores, em "Sororidade". Ou da saudade, em "Era raiva, não", ou em "Eu quero a mamãe de volta". Quem não sente saudades, uma imensa saudade, de pais e mães amados que nos deixaram.  "Dia de Reis" me levou para Milton Nascimento, o fenômeno musical gestado em Minas Gerais, nas canções de seus discos que evocam certo modo de vida de um passado já não tão recente. Canções como Morro Velho, Canção do Sal, e mesmo Cálix Bento.  Por falar, em Minas e Milton, com suas crônicas, Dalva Soares coloca Baldim no meu mapa sentimenta