104 Anos


"Semana que vem é o aniversário do meu pai."

"Tu queres dizer, 'seria o aniversário do teu pai', né? Ele já se foi faz bastante tempo."

"Se tu preferes dizer assim, tudo bem. Não vou discutir por isso. Mas para mim é o aniversário do velho. Inclusive era por essa época que eu mais costumava visitar o túmulo dele. Dele e dos outros."

"E tu vais escrever sobre isso?"

"É bem possível. Essas datas me fazem refletir. Lembrar."

"Vê se pega leve. Eu achei bem pesado falares em 'fantasmas que carregas na alma' semana passada."

"Mas é como eu sinto mesmo. Como se os carregasse em mim. Inclusive tem aquilo de dizerem que quando eu morrer, eles morrem junto. Ou morrem um pouco mais."

"Vê se não vai se deprimir. Aliás, nem sei por que tu falas tanto nisso. O que tu ganhas com isso?"

"Nunca pensei em ganhar. De qualquer forma, a vida não é apenas uma sucessão ou acumulação de coisas boas, que a gente 'ganhe'. Eu simplesmente penso, percebo e sinto. O terapeuta em uma consulta me falou, que quando a gente chora, expressando a nossa dor, a gente se afasta um pouco do risco da depressão. Também tem um pouco disso, quando eu escrevo, eu coloco para fora essas minhocas que vêm infestar a minha mente. A tristeza sai da cabeça para o papel. Ou para a tela."


30/11/2020. 

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