Diário – leituras – afirma Pereira



“afirma Pereira”. Eis um livro curioso e interessante. Curioso porque conta uma história ambientada na Lisboa de 1938. 

Nessa época o Estado Novo recém havia sido implantado em Portugal (durou de 1933 a 1974). Se tratava de uma ditadura de caráter fascista, com polícia política, prisão e exílio de dissidentes e censura aos meios de comunicação. 

Curioso também porque escrito por um italiano. De fato, Antonio Tabucchi foi tradutor de Fernando Pessoa. E interessante pela história que conta nesse ambiente complicado. Nessa mesma época já estavam no poder Mussolini e Hitler. Ao mesmo tempo ocorria a guerra civil na vizinha Espanha. Guerra civil esta para a qual as forças armadas da ditadura portuguesa enviaram um corpo expedicionário para apoiar Francisco Franco. 

Nessa circunstância toda, Tabucchi nos conta a história do Dr. Pereira, um jornalista que é encarregado da página cultural de um pequeno jornal português. Pereira é um homem mais velho do que novo, viúvo e não teve filhos. Tem a saúde frágil, mas vai vivendo. Ou sobrevivendo. No caderno cultural do jornal ele se dedica a traduzir contos franceses do século XIX, e a produzir obituários para figuras de relevo cultural, mais ou menos de acordo com as efemérides. Tentando ser altivo, Pereira informa que seu caderno cultural é independente. Em especial independente das questões políticas, sobre as quais não emite opinião. 

Para aliviar sua carga de trabalho, pede à direção do jornal, e consegue, a contratação de um estagiário para ajudá-lo. O estagiário se chama Francisco Rossi, um rapaz filho de mãe portuguesa e pai italiano. A orelha do livro informa que em consequência da contratação, “à medida que percebe estar lidando com um sedicioso que nada cumpre do que lhe é pedido e tudo politiza, Pereira questiona-se por que simplesmente não o demite e em vez disso age como se precisasse mais ele do inadequado estagiário do que este do emprego.”

Como dito acima, Francisco Rossi, e sua namorada, Marta, em lugar de facilitar a vida de Pereira, parece que vão dificultando-a. 

No caso da minha leitura, o que me chamou a atenção é como regimes autoritários acabam por sufocar as pessoas, por mais que elas tentem olhar para o outro lado, e cultivar atividades intelectuais que tentem ser recreativas e apolíticas. Tabucchi consegue contar uma história em que seu protagonista vive em um ambiente complicado, do qual é difícil se alienar. É mais ou menos como o Conversa no Catedral, de Vargas Llosa, com um pouco mais de lentidão e sutileza. 

Uma curiosidade do livro, ao menos para mim, é o Café Orquídea, um restaurante onde Pereira fazia refeições e gostava de beber limonadas. Não posso dizer se o Café existia em 1938, mas a internet confirma que ele está lá em Lisboa, à Avenida Alexandre Herculano, tal como descreve o personagem em 1938. 

É um livro que ganhei de presente, e gostei de ler. 


TABUCCHI, Antonio. afirma Pereira. São Paulo: Estação Liberdade, 2021. Tradução de Roberta Barni. 



10, 11/12/2023. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Poemas de Abbas Kiarostami na Piauí de Junho/2018

Sessão de Autógrafos - A Voz dos Novos Tempos

Feliz aniversário, Avelina!