Os Bondes da Cidade de Rio Grande, Estado do Rio Grande do Sul, Brasil – por Allen Morrison
A cidade de Rio Grande fica em uma estreita península próxima ao final sul da Lagoa dos Patos, a maior lagoa da América do Sul [veja o mapa do estado]. A península tem cerca de 2 km de largura e 7 km de comprimento[veja o mapa da área]. Rio Grande fica a 18km do Oceano Atlântico, a 60 km de Pelotas, a 320 km de Porto Alegre, que está no limite norte da lagoa, e cerca de 5.000 km distante dos sistemas de bondes mais ao norte do Brasil, que operavam em Manaus e Belém. É a cidade grande mais ao sul do Brasil e um dos seus mais movimentados portos. Em 1910 a população de 40.000 pessoas tornava-a a segunda cidade mais populosa do estado do Rio Grande do Sul. Seus atuais 200.000 habitantes a colocam como a décima naquele estado em grande crescimento.
Como sua vizinha Pelotas e como Porto Alegre, Rio Grande teve linhas de bonde antes de ter linhas ferroviárias de longa distância. Um industrial local chamado Antônio Candido Sequeira queria desenvolver uma infraestrutura de transportes na região e fundou a Companhia de Carris Urbanos de Rio Grande em 23 de maio de 1876. À medida em que a ferrovia a vapor se aproximava de Rio Grande, a CCURG inaugurou uma linha de bondes de tração animal da Praça Xavier Ferreira para a nova estação ferroviária – a Estação Central – em 2 de novembro de 1884 [veja o mapa da cidade]. Os trens a vapor começaram a transportar passageiros um mês depois, em 2 de dezembro de 1884. Eles iam apenas até Pelotas e Bagé naquela época, só chegariam a Porto Alegre em 1900.
O sistema de bondes prosperou, e em 1885 Sequeira formou uma subsidiária, Companhia de Bonds Suburbanos da Mangueira, para construir e operar uma “linha de bonds por tração a vapor” de 18,6 km, de Rio Grande para um local próximo ao oceano a ser chamado de Villa Sequeira [veja o mapa da área]. Ele cunhou a expressão “bonds suburbanos” porque ele não tinha permissão para operar trens convencionais. O plano falhou e ele foi processado pela Southern Brazilian Rio Grande do Sul Railway, a qual queria controlar todo o transporte a vapor na área [Enke, pp. 52-58: see BIBLIOGRAPHY]. Sequeira afinal recebeu a permissão em 1888, iniciou a construção em janeiro de 1889 e no março seguinte, através de um agente em Nova York, encomendou a locomotiva a vapor número 1, chamada “Andorinha”, da H. K. Porter Co. em Pittsburgh. Aqui está parte da listagem no livro de registro de encomendas da Porter [veja a listagem completa]. "Ca. B. S. M." = Companhia de Bonds Suburbanos da Mangueira. 39 3/8 in = 100 cm [col. Christopher Walker]:
Nenhuma ilustração daquela exata locomotiva foi encontrada, mas, de acordo com a descrição, ela era do tipo mostrado abaixo [col. Christopher Walker]:
A locomotiva número 2 da CBSM, chamada “Formiga”, também era da Porter. A CBSM adquiriu vagões, iniciou os testes em 1889, e começou a transportar brasileiros para sua primeira diversão à beira-mar em 26 de janeiro de 1890. (Rio de Janeiro e Santos começaram a desenvolver suas praias mais tarde). A linha a vapor começava no final da linha da Carris Urbanos puxada por cavalos no Parque [veja o mapa]. A região ao redor da Villa Sequeira foi chamada de forma variada de Costa do Mar ou Costa da Mangueira ou Casino, e hoje é chamada de Cassino, com dois “ss”. A linha foi absorvida pela Southern Brazilian Rio Grande do Sul Railway em 1900 [veja Giesbrecht].
A linha ferroviária do Cassino não fazia todo o caminho até a praia, assim Sequeira montou um bonde de tração animal para levar os passageiros no resto do caminho [veja o texto de Enke e o mapa]. A linha de bonde de 800 metros do Cassino parece ter sido inaugurada junto com a ferrovia, em 1890. Ninguém sabe por quantos anos ela operou, mas o cartão postal abaixo mostra-a em 1913 [col. Antonio Cleber dos Santos Silva]:
De volta a Rio Grande, a Companhia Carris Urbanos se reorganizou como Companhia Viação Rio-Grandense, conforme mostra esse passe. [Julio Meili, Das Brasilianische Geldwesen (Zurich, 1903): "Bilhetes de Omnibus, Barcas e Bonds," estampa 126, bilhete 646]:
O postal abaixo, feito por volta de 1905, mostra ainda um outro proprietário, a Companhia de Bonds Rio-Grandenses. A origem dos bondes de tração animal de Rio Grande é incerta, mas se dizia que alguns dos veículos tinham sido adquiridos em Porto Alegre, a qual tinha veículos produzidos pela John Stephenson Co. em Nova York. É o tipo de carro mostrado nesta imagem, mostrando a descida a leste da Rua General Vitorino a partir da Rua 24 de Maio. A Praça Tamandaré está meio fora da visão, à esquerda [veja o mapa][col. AM]:
Em 1906 o governo brasileiro contratou o engenheiro americano Elmer Corthell para reformar as instalações portuárias, a usina de força e o sistema de bondes de Rio Grande (Corthell tinha projetado portos em Nova Orleans, Belém e Buenos Aires). Um amigo de Corthell, o industrial americano Percival Farquhar registrou The Port of Rio Grande do Sul, S. A. in Portland, Maine, mas não conseguiu encontrar investidores interessados. O financiamento para o projeto foi finalmente garantido na França, e a empresa foi renomeada em 1908 em Paris como Compagnie Française du Port de Rio Grande do Sul. A American Westinghouse começou a instalar as linhas para bondes elétricos em 1910 e encomendou quinze veículos motorizados com dez bancos para passageiros e seis vagões também com dez bancos para passageiros da J. G. Brill Co. na Filadélfia em 1911. Aqui está a fotografia de um vagão da Brill [Brill Collection, Historical Society of Pennsylvania]:
A data de inauguração das linhas de bondes elétricos é frequentemente citada como tendo sido em 15 de novembro de 1911, mas o jornal de Porto Alegre Correio do Povo cita a inauguração como tendo sido um ano depois, em 15 de novembro de 1912 [veja a BIBLIOGRAFIA abaixo]. Esta fotografia mostra um bonde e vagões trazendo trabalhadores da fábrica da Companhia Swift que ficava no sudeste da península. A bitola dos trilhos dos bondes, assim como de todos os trilhos na área, era de um metro [col. J. J. Abreu]:
Em 9 de março de 1918 a companhia francesa foi adquirida pelo governo do estado do Rio Grande do Sul e as linhas de bonde e outras instalações se tornaram propriedade da Viação e Illuminação Elétricas do Rio Grande. A nova empresa transformou muitos dos bondes abertos em modelos fechados [col. Departamento Autárquico de Transportes Coletivos do Rio Grande]:
Os vagões dos bondes tinham números pares, os veículos que os puxavam tinham números ímpares. Um relatório da VIERG – a Viação e Illuminação Elétricas do Rio Grande – de 1923 fala de sete bondes abertos, de 1 a 29, treze vagões abertos, de 2 a 28, e dez bondes fechados, numerados de 31 a 49, em um total de 30 veículos de passageiros. A companhia adquiriu motores e chassis dos Estados Unidos e montou veículos de passageiros e equipamento de cargas no Brasil. A imagem do postal abaixo mostra um bonde na Rua dos Andradas, a lesta da Praça Xavier Ferreira [veja o mapa]. O grande prédio é o Edifício da Alfândega. As vestimentas femininas indicam que o ano é 1933 [postal, col. AM]:
O próximo postal mostra um bonde na Rua Floriano Peixoto no lado sul da Praça Xavier Ferreira [veja o mapa]. O espelho d’água é o mesmo visto na imagem acima [col. AM]:
Aqui está a principal estação ferroviária da cidade, a Estação Central, inaugurada em 1884 (o prédio ainda está lá). A vista é para o sul a partir da Rua Buarque de Macedo [veja o mapa]. Note os trilhos e fios do bonde elétrico [col. AM]:
Este estranho cartão postal, à moda de pintura, mostra um bonde elétrico e vagão partindo da gigantesca planta do frigorífico Swift no sudeste da cidade [col. AM]:
Transportar trabalhadores para e a partir do frigorífico Swift era uma das principais ocupações da companhia de bondes. Em 1923, para ajudar a puxar vagões, ela adquiriu duas locomotivas elétricas, numeradas como 1924 e 1925, da Siemens-Schuckertwerke em Berlim. A montagem foi da MAN (Maschinenfabrik Augsburg Nürnberg). A número 1924 nesta foto alemã porta as placas de ambas as marcas [col. Wolfgang-D. Richter]:
Esta fotografia sem data mostra uma das locomotivas da Siemens/MAN ajudando – puxando? – um bonde e um vagão da linha “Porto” [veja o mapa]. Ambos os veículos de passageiros tiveram seus clerestórios removidos. As iniciais “SRGTC” parcialmente visíveis no bonde número 43 são para Serviço Riograndino de Transportes Coletivos [coleção Alfredo Rodrigues]:
Este postal mostra um bonde na Av. Presidente Vargas (antiga Av. Rhengantz) no terminal da linha “Parque” [veja o mapa]. A vista é para leste. Avaliando pelos automóveis, data do final dos anos 1930. A pista da esquerda (norte) do boulevard está bloqueada, talvez para repavimentação, assim os automóveis estão trafegando em ambas as direções na pista da direita. A “Estação Parque” da Companhia de Bonds Suburbanos da Mangueira já foi neste lugar [col. Antonio Cleber dos Santos Silva]:
Mesmo em Rio Grande, um bonde e um ônibus não poderiam ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo [col. Wanderley Duck]:
O quadro abaixo mostra a extensão dos trilhos, número de vagões, número de bondes, e número de veículos de carga usados pelo serviço de bondes de Rio Grande durante os anos 1930. (Aparentemente alguns dados não foram relatados) [Rio Grande do Sul Departamento Estadual de Estatística]:
Pesquisas conduzidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística nos anos 1940 revelaram dados similares – até 1947, quando a extensão das linhas em Rio Grande repentinamente pularam para 46 km! A companhia criou a nova linha “Saraiva” nesse período, mas ela não tinha 21 km de extensão! A extensão permaneceu em 46 km, o número de bondes em 24 e o de vagões em 18 – até 1950, quando a extensão aumentou para 47 km! Esse número estava lá em 1951, quando o Instituto publicou o último relatório detalhado dos bondes.
A fotografia abaixo foi feita por volta de 1960, depois que o Serviço Riograndino de Transportes Coletivos tinha sido absorvido pela Prefeitura Municipal. Pela metade do século XX os clerestórios tinham sido removidos de todos os bondes Brill [col. Departamento Autárquico de Transportes Coletivos de Rio Grande]:
Em 1940 a companhia de bondes adquiriu cinco bondes do tipo “Birney” de segunda mão da United Electric Railways em Providence, Rhode Island. Eles tinham sido construídos em 1922 pela Osgood Bradley Car Co. in Worcester, Massachusetts e, como aconteceu com os Birneys que Curitiba adquiriu de Boston, a bitola teve que ser alterada de 1,435 metro para um metro. Aqui está o bonde Birney número 1 na linha “Parque” em 1964. Ele está virando ao sul da Rua General Vitorino para a Rua 24 de Maio [veja o mapa]. Essa é a Praça Tamandaré à esquerda. O bonde está no mesmo lugar do bonde de tração animal na quinta ilustração no topo desta página [Ray De Groote]:
Essas fotografias coloridas foram tiradas por entusiastas por bondes da América do Norte que visitaram Rio Grande nos anos 1950 e 1960. Todos observaram que os veículos Brill de 1911 tinham sido remodelados com novos tetos e que não havia mais qualquer vagão no serviço. Quando os dois Brill mostrados abaixo foram fotografados em 1957, o operador ainda era o Serviço Riograndino de Transportes Coletivos. O cenário é a Rua Aquidabã com a Rua General Canabarro. Os bondes são assinalados como “Saraiva” e “Prado” [Wm C. Janssen]:
Detalhe da imagem anterior:
Aqui está o carro 11, na linha “Prado” em 1957 [veja o mapa]. Em meados dos anos 1950 aparentemente todos os bondes tinham sido renumerados. Bondes motorizados, como o número 11, podem ter sido montados a partir de antigos vagões [Wm C. Janssen]:
O bonde Brill número 8 tinha recebido nova pintura da Prefeitura quando foi fotografado na esquina das ruas Vitorino e 24 de Maio em 1964 [veja o mapa]. Um antigo “Birney”, ex-Providence, se aproxima (ou parte?) à distância [Ray De Groote]:
O terminal da linha “Saraiva” em 1963 [veja o mapa][Earl W. Clark]:
Uma das locomotivas para trilhos de bonde (aparentemente produzida localmente) na linha “Prado” em 1964. À esquerda a Lagoa dos Patos [Ray De Groote]:
Um bilhete de bonde usado pela Prefeitura Municipal durante os anos 1960 [col. Antonio Cleber dos Santos Silva]:
O bonde 8 na linha “Porto” em 1963 [veja o mapa][Earl W. Clark]:
O número 8, mostrado acima, foi o último bonde a rodar em Rio Grande quando o sistema foi desativado em 15 de junho de 1967, uma quinta-feira. Todos os veículos viraram sucata e o estacionamento na Rua Vice Almirante Abreu se foi transformado na garagem de ônibus do Departamento Autárquico de Transportes Coletivos [veja o mapa].
Durante a visita do autor à cidade, em 1981, ainda havia trilhos em algumas ruas e a locomotiva alemã 1924 (construída em 1923) estava exposta na Praça Tamandaré. Ainda está lá nos dias de hoje [AM]:
O último trem a vapor se destinou ao Cassino no início dos anos 1960 e o último trem deixou a Estação Central com destino a Pelotas e outros locais a oeste em 1990 [veja o mapa e as Estações Ferroviárias do Estado do RS de Giesbrecht]. As estações ferroviárias em Rio Grande e no Cassino (Vila Siqueira) foram preservadas. A cidade litorânea é famosa nos dias de hoje pela praia mais extensa do mundo, 254 km [veja o mapa], reconhecida no Livro dos Recordes da Guinness, e tem vagonetas a vela que viajam ao longo de trilhos nos Molhes da Barra, quebra-mares, as quais vão 4 km mar adentro (veja o vídeo) [cartão postal, col. AM]:
Bibliografia:
United States. Reports from the Consuls of the United States, vol. XXXIV, nos. 120-122 and 133 (9-12/1890). Washington, 1890. A survey of railroads in Rio Grande do Sul contains this paragraph on p. 220: "There is a line of railway just completed from the suburbs of this city to a boating place on the sea-shore by the Companhia Bonds Suburbanos da Mangueira, 18 kilometers in length. This line is well built, is 1 meter in gauge, and the locomotives were furnished by a firm in Pittsburgh, Pa."
"Bondes Eléctricos" in Correio do Povo (Porto Alegre), 17/11/1912, p. 7. News item about the inauguration of the electric tramway in Rio Grande in 1912 – not 1911, as is often claimed. Quote: "Rio Grande, 15. Hoje, pela primeira vez trafegou, nesta cidade, um bonde eléctrico, que funcionou regularmente." The newspaper's editions of November 1911 say nothing about tramway inaugurations.
Brazil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Anuário Estatístico do Brasil, 1912-1959. RJ, 1917-59. (Issued by Ministério da Agricultura, Indústria e Commércio, 1917; Instituto Nacional de Estatística, 1930-7.) Tramway statistics for Rio Grande and other Brazilian cities.
Carvalho, José Carlos de. "A Exploração do Porto da Cidade do Rio Grande." Brazil-Ferro-Carril (Rio de Janeiro), 1/4/1918, p. 168; 30/4/1920, p. 258; 15/5/1920, pp. 291-294. A series of articles about the formation of the French company, the involvement of Corthell and Farquhar, and the construction of Rio Grande tramway.
Rio Grande do Sul. Secretaria das Obras Públicas. Direcção Geral do Porto e Barra do Rio Grande. Relatório Annual, 1923. Porto Alegre, 1923. "Galpão dos bondes" section on pp. 168-171 includes tram roster.
Rio Grande. Prefeitura Municipal. Directoria dos Serviços Industriaes. Planta Geral da Cidade do Rio Grande. RJ, 1937. Street map, scale 1:10,000, shows track layout of the electric tramway.
Waldemar Corrêa Stiel. História do Transporte Urbano no Brasil. Brasília, 1984. The chapter on Rio Grande, pp. 307-311, contains some interesting photographs and reproductions of tramway itineraries from undated editions of the Almanak do Rio Grande do Sul.
Rebecca Guimarães Enke. Balneário Villa Sequeira: A invenção de um novo lazer (1890-1905). PDF of 143-page dissertation at Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo (RS), 2005. Construction of the "Bonds Suburbanos" line, pp. 52-58. Cassino tramway, pp. 86 and 91.
Ralph Mennucci Giesbrecht. Estações Ferroviárias do Brasil. Extraordinary survey of Brazil's railroad stations and lines. The section on the Rio Grande area contains rare, fascinating information on the Cassino line and the stations along it. Links to many photographs.
Luiz Henrique Torres. "O Cassino entrando na história" and "O surgimento do balneário Cassino" in Agora: O Jornal do Sul (Rio Grande). Two of several interesting articles by this professor, published in this online journal. Use "Busca" mechanism to find other articles,
Antonio Cleber dos Santos Silva. Breve Histórico do Transporte na Cidade do Rio Grande/RS. Texts and many interesting photographs in an 18:40-minute video showing Rio Grande's transport history.
O autor gostaria de agradecer a Christopher Walker na Inglaterra; Wolfgang-D Richter na Alemanha; Ralph Mennucci Giesbrecht; Antonio Cleber dos Santos Silva e Guilherme Guimarães no Brasil; e a equipe do Departamento Autárquico de Transportes Coletivos em Rio Grande por sua contribuição e assistência na preparação desta página.
Tradução feita pelo blogueiro da página "The Tramways of Rio Grande, Rio Grande do Sul state, Brazil" escrita por Allen Morrison. Os direitos do texto pertencem ao autor e seus sucessores.
22/07/2024, 10/08/2024.
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