Cara Maria – V



Cara Maria,


Tendo escrevido uma crônica em forma de mensagem à minha falecida irmã esta semana, imaginei que não te escreveria nesta semana. A mensagem à minha irmã é um comentário sobre presentes que ela me deu e ficou fechada, a mensagem, a crônica, nisso. 

Contudo não consegui renunciar a te escrever. Esta semana. 

Falar de quê? De clima, óbvio. 

De trinta graus de temperatura em Porto Alegre na segunda-feira, 11 de setembro, para oito graus em Porto Alegre na madrugada de sexta-feira, 15. Com direito a chuva na quarta-feira, dia 13.

Chuva que gerou enchimento do Dilúvio, o arroio. Chuva que fez o Guaíba quase chegar às margens do Cais Central. Guaíba que também avançou sobre ruas na Zona Sul de Porto Alegre. Chuva que assustou. O prefeito Melnick, quero dizer, Melo decretou emergência por conta dos riscos de inundação. 

E ainda temos o rescaldo das chuvas e enxurradas da semana passada. O pessoal da revista eletrônica Parêntese publicou três textos sobre as inundações no Vale do Taquari. Paulo Roberto Farias comenta como as cheias do rio afetaram a vida de seus avós em Estrela. Carolina Leipnitz, moradora de Lajeado, faz ensaio fotográfico e breve comentário sobre porta-retratos em Roca Sales. O Luís Augusto Fischer comenta sobre como uma cheia do Taquari levou à falência seu avô materno, pois o até então caixeiro-viajante perdeu toda sua mercadoria nessa cheia. 

Falar de uma pessoa ou uma família dá uma dimensão humana extra a traumas catastróficos. 

Falar em catástrofe, não sei se leste a respeito da cidade de Derna no leste da Líbia. Situação terrível. Pelas notícias, até agora, há mais de dez mil mortos e um número semelhante de desaparecidos. Talvez algo como metade da população da cidade. Impensável que metade da população de uma cidade deixe de existir de uma hora para a outra. Segundo a notícia, duas barragens se romperam ao sul no rio que corta a cidade, em consequência de uma super tempestade. Será que os cidadãos de Derna devem agradecer à OTAN pelo rompimento das barragens? Pergunto porque as barragens estavam sem manutenção por conta da fragmentação política de Líbia, desde que bombardeios da Aliança do Atlântico Norte, e comandos especiais ajudaram a depôr e assassinar Khadafi em 2011. Melhor um ditador mais ou menos mantenedor da ordem ou um território em permanente guerra civil? 

Metade da população de uma cidade perecer em um evento climático. Realmente impensável. 

Mudando de assunto, na área cultural, soube que o artista plástico colombiano Fernando Botero, o das figuras gordas, faleceu. Estava com 91 anos. Morreu em decorrência de uma pneumonia. Maior e mais conhecido artista plástico da Colômbia no século XX, apesar da provecta idade. Diria que vai fazer falta. Se junta a Gabriel García Marquez no além-vida. 

A primavera de 2023 começa oficialmente no próximo sábado, 23 de setembro. 


P.S. Comecei este texto escrevendo “tendo escrevido”. Depois na dúvida, fui ao Google perguntando sobre escrevido e escrito. A primeira referência do buscador foi peremptória e arrogante, “A forma correta é escrito. A palavra escrevido não existe e não deve ser usada como particípio do verbo ‘escrever’.”, e seguiu em seu raciocínio, falando de particípio regular e irregular, de como o particípio regular faz com que os verbos terminem com os sufixos “ido” e “ida” e os irregulares usam o sufixo “to” como o mais comum, justamente o de “escrito”. Informa ainda que verbos abundantes tem forma regular e irregular (aliás, a palavra abundante é retumbante e abunda mesmo!), como, por exemplo morrido e morto. Por fim, diz que o verbe escrever não é abundante. 

P.S. longo este aqui. 

Uma outra consulta também falou sobre particípios duplos, indicando que, nos verbos abundantes, se usa o particípio regular associado aos verbos ter e haver, e o irregular associado a ser e estar. Curiosamente esta última explicação comenta próxima de seu final que “as formas regulares: abrido, cobrido, escrevido, ganhado, gastado, e pagado são evitadas na língua culta.” Me parece que esta última citação anula a arrogância da expressão “a palavra escrevido não existe”. Tanto existe que é citada em uma explicação gramatical.

E vou manter no meu texto com um gostinho de transgressão. 

Entretanto, minha cara Maria, se fizeres um concurso não uses a forma escrevido porque, afinal, ela é evitada na língua culta. 

Sou um inculto! 


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16, 19/09/2023.

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