Tempos de ler O Tempo e o Vento
"O Tempo e o Vento", obra monumental de Érico Veríssimo é algo como nossa versão para "Guerra e Paz" de Tolstoi. São três livros, "O Continente", "O Retrato" e "O Arquipélago", que originalmente foram publicados em sete tomos, e abarca uma série de personagens, ao longo de 200 anos de história do Rio Grande do Sul.
Já foi adaptada ao audiovisual pelo menos duas vezes. Uma série televisiva pela TV Globo, na metade dos anos 1980, e um filme, de 2013. Devo dizer que não vi o filme, e o que que vi da série, já não lembro mais. Em todo caso, pelo que pude pesquisar, estas obras se detém mais no primeiro livro.
A propósito, este primeiro livro, "O Continente", subdividido em diversas histórias, tinha parte de seu conteúdo extraído, e era leitura obrigatória para muitos estudantes do ensino médio, antigo segundo grau, nos anos 1980. "Ana Terra" e "Um Certo Capitão Rodrigo" circularam muito em edições da antigo Editora Globo, aquela que funcionava junto com a Livraria do Globo, e era uma referência de Porto Alegre.
De mais a mais, quero falar dos livros que li. Não muito, apenas impressões.
Achei muito bom o modo como Érico Veríssimo relaciona seus personagens com a história canônica do Rio Grande do Sul. Os primeiros europeus por estas terras são jesuítas espanhóis, catequizando índios? Aparece no território das Missões Pedro Missioneiro, órfão, filho de mãe índia, possivelmente engravidada pelo estupro de algum bandeirante paulista. Nesses tempos em que Espanha e Portugal discutiam fronteiras com os tratados de Madri e Santo Ildefonso, a guerra guaranítica surge no livro.
O "continente" de São Pedro fica com Portugal? Eis que surge a família Terra, migrando de São Paulo, para se estabelecer em algum rincão perdido do novo território, tendo que enfrentar a natureza e os bandoleiros.
Mais tarde há Guerra Farroupilha? Eis o Capitão Rodrigo Cambará, veterano da Guerra da Cisplatina,e que tomará parte nesse novo conflito.
Revolução Federalista? Licurgo Terra Cambará, alinhado ao castilhismo, resistirá ao sítio ao sobrado imposto pelos federalistas, durante noites geladas do inverno de 1895, na fictícia Santa Fé. Possivelmente calcada na Cruz Alta natal de Érico.
Nos livros dois (O Retrato) e três (O Arquipélago) a personagem proeminente será o Dr. Rodrigo Terra Cambará. Filho de Licurgo, bisneto do Capitão de mesmo nome, que aparece criança no primeiro livro. Ele dominará as histórias contadas, nos dois livros seguintes, na primeira metade do século XX.
O Doutor Rodrigo participará da campanha civilista do Ruy Barbosa em 1910, na cidade de Santa Fé, do levante assisista em 1923, e se juntará a Getúlio Vargas na Revolução de 1930. É um personagem tão grande e tão humano, que talvez pudéssemos mesmo pensar que havia uma cidade chamada Santa Fé, e lá viveu um homem que marcou a cidade entre 1910 e 1930.
No último volume, outro personagem de destaque é Floriano Cambará, filho de Rodrigo, e escritor (como Érico).
A história é tão rica e tão vasta que é daqueles livros que a gente fica com pena de terminar, quando chega no final. Aliás, me deu até vontade de reler, porque tanta coisa aconteceu, e muita coisa se confundiu na minha cabeça de leitor.
Bom. Há partes menos empolgantes também. Principalmente aqueles em que os personagens ficam a debater política e filosofia de maneira interminável. Isso foi certamente uma maneira de Érico tentar discutir o desenvolvimento, ou a falta de desenvolvimento, do Brasil naqueles anos.
E há o fator demiurgo. O narrador de O Tempo e o Vento sabe tudo de seus personagens, inclusive seus pensamentos. Acredito que li uma meia dúzia de vezes, o narrador contando com "fulano respondeu (ou disse) tal coisa, mentindo". Uma mentira que só um narrador onisciente, esse tal demiurgo, poderia saber que era mentira. Maneira e modo que o livro foi escrito.
Gostei muito. Queria ter tempo para poder ler de novo.
27/07/2020.
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