O Guaíba no capitalismo de desastre


Na semana passada – 21/05/2024 – mestre Rubem lançou uma ideia em sua crônica semanal: criar um Dia do Guaíba. Seria no primeiro sábado de maio porque as piores enchentes da cidade, em 1941 e agora em 2024, foram em maio. Nessa data, a cada ano, o sistema de contenção de enchentes seria revisado e testado, ou testado e revisado. Ele propõe inclusive a realização de simpósios anuais em que especialistas debateriam com o público a relação da cidade com o corpo aquático que a banha. 

Eu apoio a proposta. Contudo sou cético a respeito de que uma iniciativa dessas possa avançar.

Nos últimos anos o que temos visto são eleições de políticos conservadores, e ainda alguns francamente reacionários. Apesar do rótulo “conservador”, tais políticos estão mais para extrativistas ou colonizadores, pois são esse tipo de interesse, extração de recursos naturais, que eles representam. Em todos os níveis de governança o que se tem visto são leis para facilitar desmatamento, reduzir ou fazer desaparecer matas ciliares, eliminar fiscalizações ou necessidade de licenças. Afinal, o território é lugar com recursos para enriquecer alguns. 

Penso na concessão de áreas do cais de Porto Alegre, com previsão de torres à beira do Guaíba. Provavelmente o estacionamento vai ficar suspenso a uns dez metros do térreo. E só depois de não sei quantos andares de garagem virão os apartamentos com vista para o rio lago e seu famoso pôr do sol. Claro que os privilegiados que vierem a habitar esses imóveis terão que manter reservas de água e alimento porque parece cada vez mais provável que as enchentes virão com cada vez mais frequência. 

Há ainda a questão do capitalismo de desastre. Difícil discutir isso em poucas linhas. Mas digamos que vivemos um momento de orçamentos governamentais engessados e preocupações com crescimento de dívida pública (aliás, só dívida pública já seria uma discussão a parte, que ninguém faz: qual o nível em que ela é “sustentável”? Por que esse nível  é, ou não, sustentável? O que aconteceria se os governos procurassem zerar a dívida pública?). Os cataclismos são oportunidades para aumento exponencial de gasto público, e, óbvio esse gasto vai beneficiar alguém. Provavelmente não a maioria. Depois os economistas que trabalham para bancos e corretoras, que são ouvidos pela imprensa corporativa, clamarão por redobrada austeridade nos gastos públicos, pedindo redução de gastos sociais, como, por exemplo, redução de aposentadorias. Obviamente nenhum deles admitirá, mas me parece que nossas autoridades acham melhor remediar a tragédia, que prevenir que ela aconteça. Como dizem, os governos têm outras prioridades além de se preocupar com a catástrofe climática.  

Voltando ao início do texto. Apoio a proposta do Rubem. Tenho sérias dúvidas que ela possa avançar. 

27, 28/05/2024. 

Comentários

  1. Comendador, sua crônica é uma inundação de realidade afogando um bom sonho.

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