O último dia de Paulo

O último dia de Paulo




Naquela quarta-feira, Paulo acordou às seis da manhã como costumava fazer.


Levantou-se e foi ao banheiro se liberar de suas primárias necessidades fisiológicas.


Deixou a mulher dormindo, pois era muito cedo, e ela não precisava sair para trabalhar.


Olhou-se no espelho, rapidamente, sem se deter em sua própria imagem.


Lavou o rosto com água abundante, mas sem usar sabonete. Secou-se.


Pegou o jornal largado em frente a porta pelo porteiro.


Colocou pó de café e água na cafeteira. E esperou alguns minutos. Enquanto isso, pegou pão, manteiga, leite e frios, e colocou sobre a mesa na cozinha.


A cafeteira aprontou o café. Ele pegou a jarra e se serviu. Completou com leite. Fez um sanduíche com o pão, a manteiga e os frios. Comeu, bebeu. Estava feito o desjejum.


Era hora de se vestir. Camisa azul, como muitas vezes. Sapatênis preto. Meias sociais pretas. Calça jeans cargo. Separou também a jaqueta de couro. Apesar de já ser verão, muitas vezes sentia frio no serviço por causa da força do ar condicionado.


Meteu o jornal dentro da pasta executiva, onde já estavam a agenda de papel e o óculos de grau. Pegou o rayban aviador preto com cordinha e enfiou no pescoço.


Saiu porta afora.


Como sempre, o elevador desceu rápida e suavemente os dez andares que o separavam do estacionamento do prédio.


Entrou no Peugeot 208 preto e se foi em direção ao centro da cidade.


Dezembro. Após o fim das aulas, o trânsito flui com mais facilidade, ou com menos dificuldade, no caos urbano de Porto Alegre. Paulo vai conduzindo praticamente no piloto automático. Não pensa muito. Vai ouvindo a música, La Luna, por Sarah Brightmann, e seguindo o mesmo roteiro de todos os dias, desde a zona norte da cidade.


Já no centro, deixa o carro no mesmo estacionamento de sempre, e caminha para a repartição.


O elevador o leva dez andares acima, como o fazia sempre.


Atravessou a catraca, e foi para a mesa dele.


Ali havia uma diferença. Não havia nada para fazer. Os processos dos quais participava, já haviam passado por sucessão. Fazia alguns dias, que ele estava ali como um consultor, para tirar dúvidas sobre o que fizera por trinta anos.


Quando chegou o horário do almoço, Paulo saiu para almoçar com o João. Como era o último dia de Paulo, resolveram não ir nos restaurantes a quilo mais triviais, e foram em um mais chique (e mais caro). Não que a comida fosse muito melhor, mas o ambiente era mais ajeitadinho. Comeram. Em tempos de pan-fotografia, fotografaram-se a si mesmos e fotografaram a comida. Tudo devia ser celebrado naquele dia.


Tendo voltado do almoço, Paulo encontrou a mesa tomada por balões coloridos. Dezenas deles. Sorriu e levou na brincadeira. Mais fotos: abraçado nos balões, escondido atrás dos balões.


Depois os balões foram levados para uma sala, onde seria feita uma cerimônia de despedida. A cerimônia de despedida...


Foi por volta das três da tarde que aconteceu.


Carla organizou o pessoal para comprar salgadinhos, bolo e refrigerantes. E a sala ficou cheia de gente. Todos os colegas do setor, e mais alguns de outros setores, que haviam trabalhado com o Paulo anteriormente.


O Carlos deu um falso presente, um manual de processos da repartição. A Carla deu um presente verdadeiro, um livro, e o pessoal pediu discurso. Paulo compartilhou algumas palavras, muito breves, agradecendo a atenção do pessoal e dizendo que tinha sido bom trabalhar ali.


Naquela celebração, muitos abraçaram Paulo. Ele recebeu muitas palavras de carinho, muitos agradecimentos, muitos desejos de felicidade na nova fase da vida. Paulo recebeu todas as palavras com sobriedade. Ele não era muito dado a manifestações emocionais.


Terminada a celebração, Paulo voltou para sua mesa. Faltavam poucos minutos para o fim do expediente. A arrumação da sala havia ficado para as mesmas pessoas que haviam organizado a despedida.


Paulo esperou passarem os minutos.


Olhava o monitor de sua estação de trabalho. Pensava.


Talvez pensasse que era seu último dia ali, naquelas condições. Mesmo que um dia passasse para uma visita, para tomar um cafezinho com o pessoal, sua condição já não seria a mesma. Talvez pensasse que se voltasse, apesar do carinho, teria que se considerar um estorvo, pois, afinal, o trabalho tinha que continuar, e um visitante é alguém que precisa de um mínimo de atenção. Talvez pensasse que não valeria a pena voltar ali. Algo que ele dizia era que nunca queria atrapalhar alguém.


Chegou a hora.


Paulo levantou, e começou a se despedir do pessoal. Pela última vez. Por isso, os colegas chamaram mais sua atenção, dizendo "tchau" com mais veemência.


Paulo caminhou firme em direção à porta, como sempre fazia. Sem choro, sem emoção visível.


Passou pela catraca.


Uma nova vida o aguardava.

16/12/2015, 04/01/2016, 22/01/2016.

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