Sabor Especial


Minha irmã,

Hoje quando olhei para o prato do meu almoço, me lembrei de ti. 

Um prato muito simples, de lasanha descongelada, que cobri com queijo parmesão ralado. Para acompanhar uma salada de tomates. Fiquei surpreso quando descobri no supermercado azeite de oliva em embalagem de spray; comprei e tenho usado. 

Como talvez saibas, enfrentamos por aqui uma quarentena, por conta de uma peste, como há muito não se via. A peste em questão se chama sars-cov-2, causada por um certo vírus covid 19, mais conhecido como coronavírus. Este vírus tem grande poder de contágio, e pode causar uma crise respiratória aguda, que, no limite, leva à morte do doente, embora algumas pessoas possam ser contaminadas sem manifestar sintoma algum.

Esta quarentena foi declarada para gerar isolamento social. As escolas fecharam, o comércio considerado não essencial, cinemas, bares e restaurantes, tudo foi fechado. 

Fui enviado para trabalhar em casa, e não posso mais exercitar meu luxo pequeno burguês de almoçar em restaurantes com ampla variedade de alimentos. Alguns desses restaurantes conseguiam produzir comida saborosa mesmo operando em escala quase industrial. 

Já estou na terceira semana em casa. É por isso que tive eu mesmo que produzir este prato, que me lembrou de ti.

Na primeira semana, devo ter passado a macarrão instantâneo e sanduíches. Depois comecei a apelar para os pratos industriais pré-prontos e congelados. Mais um pouco, e comecei a juntar os tomates como acompanhamento. Frutas como sobremesa. Ok, às vezes um pedaço de chocolate, ou um iogurte. E hoje, pela primeira vez, o queijo parmesão por cima da lasanha. 

Por que isso me lembrou de ti? Porque me lembrou as tuas ligações, em que me descrevias boa parte do teu cardápio. Como aquecias o feijão que havias feito três dias antes, e tinhas cozinhado arroz, e como reaproveitaste o brócolis que sobrara do almoço na janta, e como fritaste um ovo, e como cozinhaste um ovo. E como fritaste o peito de frango. E como cozinhaste a coxa de frango. Ah, a dor e a delícia de viver sozinha!

Ficavas ao telefone meia-hora, ou mais, descrevendo as tuas refeições. E eu dizendo, "aham", "sim", "pois é", "é mesmo?".

Tantas vezes tua cantilena sobre comida me pareceu tão enfadonha! Mas eu nunca te diria isso. 

Hoje sei que eu estava enganado. Era uma longa melodia, em que eu podia ouvir a música da tua voz.

Bom apetite para mim!


09/04/2020.

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