Passou um filme


Estávamos pelas primeiras doses de Jack D’s. Felizes porque havia Jack D’s naquele bar. No bar anterior não tinha. 

José me contava de sua mais recente desventura. Depois de uns seis anos desde que a recebera usada, a geladeira dele pifara. Entre as opções de comprar uma nova, comprar uma outra usada ou consertar a estragada, decidiu pela última solução. 

O técnico examinou o aparelho e ofereceu um orçamento que José aceitou. Então o mecânico de geladeiras pediu que José a esvaziasse. Os perecíveis já tinham sido descartados um dia antes. Tinham ficado produtos que não estragam com facilidade. Cervejas, refrigerantes, água, chocolate,… Filmes! Sim, filmes fotográficos. Acetato de celulose e afins. 

O próprio José se espantou com a quantidade de caixinhas e cilindros que estavam guardados na geladeira, provavelmente desde 2010 ou 2011. 

Já que eu manifestei interesse pelo assunto, fotografia, a conversa fluiu. 

Ele foi uma criança que se encantou pela mágica a que a fotografia o levava. Coloque um filme dentro da câmera e vá registrando. Depois leve esse filme a um laboratório e eis a magia feita. Quando começou a trabalhar, primeiro pegou emprestada a câmera que o irmão mais velho já não usava. Depois comprou a sua própria. E seguiu no hobby, cujo limite da fruição era sua capacidade financeira. 

José afirmou que no início deste século XXI comprou a primeira câmera digital, o que barateou muito o registro do cotidiano, das celebrações e dos passeios. Mas ele encontrou um problema: achava as imagens digitais pasteurizadas, sempre o mesmo, iguais, sem emoção. 

Disse que então resolveu voltar às câmeras de filme. Deu-se a desculpa das singularidades da fotografia analógica. Foi dessa época a descoberta de marcas de câmeras exóticas como Lomo e Holga. Além dos mais variados tipos e formatos de filmes. E também foi dessa época a acumulação de filmes.

Contudo, como ele disse, voltou a achar que usar filme não estava compensando financeiramente. Depois pensou mais um pouco. Riu e falou que, na real, depois das câmeras digitais a coisa nunca compensou financeiramente. Talvez o Jack já o estivesse descompensando. 

Examinou as sacolas com os filmes. Havia de tudo um pouco. Filmes coloridos; filmes em preto e branco; filmes em preto e branco que são revelados com a mesma técnica dos coloridos (e portanto tem revelação mais barata); filmes em médio formato; filmes APS. Deu-se conta que não usaria mais alguns daqueles produtos. Decidiu que doaria para algum brique fotográfico ou algum hobista mais empolgado que ele com aquilo. 

Pensou. Bebericou. Olhou para mim. 

Depois disse que estava um pouco ansioso por ter a geladeira de volta. Queria resguardar os rolos que ia manter.

.


Imagem gerada com Whisk


.


07, 18/11/2025. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Auto-Escritor

Poemas de Abbas Kiarostami na Piauí de Junho/2018

Jussara Fösch e o paradoxo da rede social