Jean-Claude Bernardet: medicina, vida e morte


E morreu no sábado retrasado, 12 de julho, Jean-Claude Bernardet. Intelectual relativamente conhecido, sua morte foi lamentada em cadernos culturais de veículos de comunicação Brasil afora. Escritor, foi crítico cinematográfico, ensaísta, roteirista. Também foi diretor cinematográfico. Ultimamente também passou a atuar em frente às câmeras. O noticiário informa que ele não se considerava exatamente como um ator, mas uma espécie de “performer”. Belga de nascimento, se tornou brasileiro por adoção – naturalizou-se. 

Nos variados obituários lamentando sua morte, em geral o foco se dá sobre sua relação com o cinema. Primeiro como crítico e ensaísta, depois como roteirista, diretor e ator (ou “performer”, como citaram). Um intelectual ativo, curioso e provocador. 

Minha relação com Jean-Claude Bernardet não foi assim. Conheci-o por meio de um longo depoimento que ele deu à revista Piauí em 2019, comentando sua relação com o corpo doente. Na época em que o depoimento foi publicado, Bernardet tinha pouco mais de 80 anos, era portador de HIV e lutava contra um câncer de próstata. Já tinha tido a próstata extirpada e, se não me engano, tinha passado por quimioterapia e radioterapia. Os médicos indicavam que terapia hormonal poderia ajudar a prolongar sua sobrevida. Na minha cabeça o tal depoimento era, em especial, uma espécie de justificativa para a recusa a esse tratamento. Mais ou menos como se estivesse se perguntando: prolongar a sobrevida para quê? A que preço? Esse depoimento está online no saite da revista, infelizmente apenas para assinantes. Escrevi um pouco a respeito quando li outra reportagem na mesma revista, desta vez falando da Doutora Ana Claudia Quintana Arantes. A Doutora Arantes é provavelmente a grande divulgadora dos cuidados paliativos e do cuidado com a qualidade de vida de pacientes em doenças terminais no Brasil.

Talvez devamos nos perguntar o que aconteceria se Bernardet tivesse se submetido à terapia hormonal. Como isso o afetaria. Difícil dizer, pois desde 2019 o homem não ficou parado. Publicou livros, atuou (performou?). Por fim, seis anos depois daquele depoimento que tanto me impressionou, morreu. Talvez eu tenha lido que Bernardet parou de tomar a quimioterapia, ou talvez esteja imaginando isso. Mas, se foi esse o caso, fico pensando que deve haver um momento em que a pessoa acha que não vale mais a pena brigar com a morte. Mesmo porque não vai conseguir vencer no final. Se foi esse o caso – a desistência da quimioterapia –, tratou-se de uma eutanásia? Um suicídio em câmera lenta (já que falamos de uma pessoa com íntima relação com o cinema)? Ou simples ortotanásia, deixar a vida chegar ao final?

Não sei. 

Desde que li aquele depoimento, fico desejando uma medicina mais humana, o que, para mim, significa que o médico trate uma pessoa com uma doença, seja qual doença for; e não procure a resolução para a enfermidade que uma pessoa porta. Será que fui claro? 

Posso lembrar que já fugi de uns dois ou três médicos. 

Um deles, em um pronto atendimento, agressivo, quando questionado sobre algum ponto do atendimento disse que eu podia seguir o que ele prescrevia ou procurar outro hospital. Foi o que fiz, procurei outro hospital. 

Outro agiu ficou entre o autoritário e o paternal, falando sobre certos hábitos meus. Bom, há maneiras e maneiras de aconselhar um paciente. Digamos que não gostei da forma dos conselhos e não retornei.

Pois é. Quando a doença não pode ser tratada apenas com uma sessão de antibióticos, quando ela é uma condição que vai acompanhar a pessoa até o fim da vida, acho que o médico deve se tornar também uma espécie de psicoterapeuta, um conselheiro próximo. Conversar. Perceber o sentimento de seu paciente. Se possível também mostrar-se humano, falível, e não portador de certezas inquestionáveis. 

Foi por aí, nessa questão da relação médico-paciente, que Bernardet me pegou. 

Agradeço-lhe aquele depoimento. 

Que descanse em paz!  


.


Reprodução de foto de Jean-Claude Bernardet, por Karime Xavier na Folha de São Paulo

.


20, 21/07/2025. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Poemas de Abbas Kiarostami na Piauí de Junho/2018

16 de outubro de 2024

Auto-Escritor