A jurista Carol Proner e o jornalismo machista caça-cliques


Vi a manchete no blogue O Sul

“Lula nomeia esposa de Chico Buarque para Comissão de Ética”.

Pela manchete eu fiquei pensando, como talvez pensasse o humorista José Simão (ou não), “sensacional. Lula nomeia uma mulher sem nome, apêndice do artista Chico Buarque, para Comissão de Ética”. 

Parece um sintoma dessas duas coisas, o jornalismo caça-cliques (ou, como dizem em inglês, “clickbait”), que apenas quer atrair atenção em manchetes para vender a publicidade abaixo ou ao lado da “notícia”; e o machismo que atravessa relações no Brasil, e se manifesta em manchetes como essa. 

A princípio eu diria que os membros constituintes da Comissão de Ética da Presidência da República pouco interessam ao público de maneira geral. Como diria o Juca Kfouri, eu pergunto à rara leitora, ao raro leitor: “você sabe quem são as pessoas que fazem parte da  Comissão de Ética da Presidência da República? Aliás, você sabe para que serve essa Comissão de Ética?” Acho que quase ninguém conhece a resposta para as duas perguntas. 

Por isso acho que não há manchetes informando que “Lula nomeia Fulano de Tal para a Comissão de Ética”. 

Mas, como alguém relacionada ao mundo artístico foi nomeada, eis a manchete para fisgar cliques. Só que a pessoa nomeada não foi o artista citado na manchete, mas a esposa dele. Como se ela fosse uma curiosidade do marido, esse sim uma personalidade pública. 

E aí se manifesta o machismo. Pois assim como não se costuma ver a manchete “Lula nomeia Fulano de Tal para a Comissão de Ética”, menos ainda se vê algo como “Lula nomeia Fulano de Tal, esposo de Sicrana de Tal, para a Comissão de Ética”. 

Guglei a manchete do primeiro parágrafo deste texto. Em noventa por cento dos vinte primeiros resultados, a manchete reproduzia a expressão “esposa de Chico Buarque”. Também em relação aos vinte primeiros resultados, trinta por cento não nomeavam a pessoa indicada à Comissão. 

Em tempo: a jurista Carol Proner, professora universitária, militante do direito de defesa junto ao Poder Judiciário provavelmente foi indicada à Comissão de Ética por seu saber jurídico. Circunstancialmente ela é esposa do artista Chico Buarque. 

Menos mal que a notícia abaixo da manchete explique que a Comissão de Ética seja “responsável por analisar denúncias contra servidores do governo, como em casos de conflito de interesses”. Seus outros membros são Manoel Caetano Ferreira, Edvaldo Nilo de Almeida, Edson Leonardo Dalescio Sá Teles, Bruno Espiñeira Lemos, Kenarik Boujikian e Marcelise de Miranda Azevedo (alguém conhece algum deles?). Esse cargo não é remunerado. 

Então? Esse tipo de manchete é ilustrativo de jornalismo caça-cliques machista? Ou exagero? 


29/12/2023, 01/01/2024.

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