Cara Maria – II


Cara Maria,


Garanto que não pensei que voltaria a te escrever tão cedo. 

Mas vivemos em um mundo estranho, e talvez te escrever seja uma maneira mais sadia de pensar a respeito de tantas coisas. 

O clima continua maluco. Hoje é sábado e faz frio. Terça-feira passada parecia verão, e por essa conta, agosto teve mais de um veranico. Quarta-feira choveu praticamente o dia todo. De qualquer maneira, o inverno entra em seus estertores. Embora ainda falte quase um mês para a primavera, as árvores já se cobrem de flores. Fiquei pensando que essas árvores cobertas de flores cor de rosa pelas ruas da cidade, e em especial na Redenção, fossem jacarandás, mas talvez sejam ipês. Sou um ignorante botânico. Mas sejam jacarandás ou ipês, a cidade está florida, uma floração que, me parece, anuncia a primavera, como se essas árvores quisessem nos dizer que já é primavera. Assim como os passarinhos que já começam a cantar nas madrugadas iluminadas pelas luzes artificiais. 

Se na outra mensagem, eu comecei pelo clima, e em seguida falei de quem nos deixou, posso dizer que me marcou o passamento de José Murilo de Carvalho. De fato, lá se vão duas semanas desde sua morte, mas agora é que pude escrever a respeito. José Murilo me é importante porque era historiador, e, bem, minha formação acadêmica foi em História. Durante a graduação devo ter lido excertos da obra dele, mesmo que eu não tenha lido um livro inteiro. Foi um autor relativamente popular, em especial com seu livro Os Bestializados, sobre o início da República no Brasil. 

Falando em República, tivemos esse evento patético aqui em Porto Alegre, que foi a promulgação feita pela Câmara de Vereadores do dia 8 de janeiro como o “Dia do Patriota”. 8 de janeiro! Se queriam um dia do Patriota, poderiam pensar no dia da Independência do país.  Ou no dia do nascimento de Maria Quitéria, 27 de julho; ou de seu falecimento, 21 de agosto; uma mulher patriota.  Mas escolheram 8 de janeiro. Pelo que li foi iniciativa de um vereador de extrema direita recentemente cassado pela justiça eleitoral, por conta de abuso econômico na eleição de 2020 (de fato, a justiça eleitoral demorou na cassação, e, me parece, falhou). Segundo a notícia, o projeto que estabeleceu esta infame efeméride não passou pelo plenário da Câmara, apenas por comissões. Comissões com dois ou três ou quatro componentes. Das comissões foi direto ao prefeito para sanção. O prefeito não sancionou, e assim o presidente da Câmara o fez. 

O tal vereador, e a omissão do plenário também poderiam estabelecer que no mesmo dia 8 de janeiro seja o dia de beber leite puro, ou de simular fazer as letras W e P com os dedos em Porto Alegre. 

Também poderiam estabelecer o dia 8 de janeiro como o “Dia do Vândalo e do Vandalismo” e tornar vândalos e vandalismo algo meritório. 

Ou, como me sugeriu um amigo, a cada 8 de janeiro, os cidadãos porto-alegrenses poderiam se reunir em frente à Câmara de Vereadores, depois invadi-la e depredá-la. Inclusive algum cidadão poderia defecar sobre a mesa diretora (pensando em uma recente charge do Iotti também relativa a isso). Que tal?

Desculpe-me se o assunto se tornou nojento. Mas ainda ficando a pensar na República, podemos lembrar o Dr. Ulysses Guimarães, com sua citação: "temos ódio à ditadura, ódio e nojo". 

Parece-me que nosso problema atual é que há gente, gente demais, que gosta de ditaduras e autocracias. "A besta do fascismo está sempre no cio", adaptando a frase de Brecht. Originalmente ele usou cadela onde digo besta, mas cadelas são bichos adoráveis, não merecem estar juntas com fascismo na mesma frase. 

Seguimos. E que a primavera que já se faz sentir nos seja mais leve. 

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26, 29/08/2023.

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