Cara Maria – I


Cara Maria,


Não sei se gostas de ser chamada de Maria. Espero que gostes ou terei que alterar a maneira como te chamo nestas mensagens abertas.

Minha irmã também tinha o nome de Maria, Maria Lúcia, mas não gostava de ser chamada de Maria. Concessões a Maria Lúcia (não era apenas a mãe que a chamava assim, quando estava brava. Aliás, não me lembro de minha mãe brava com minha irmã. Apenas decepcionada uma ou outra vez), ou, Malu (Malú?), como acabou conhecida quando morou no Rio de Janeiro.

Mas assim, eu não sabia o que escrever, então decidi enviar esta mensagem aberta, talvez comentando os eventos que nos têm acontecido. 

Comecemos pelo clima. Que tal a semana que passou em Porto Alegre? Parecia que chuva e sol se revezaram. Chuva na segunda, sol na terça, chuva na quarta, um sol encabulado na quinta. Inverno estranho. Talvez seja a tal crise climática. Talvez o tal el niño. Repetindo a frase de um conhecido, que era carioca, “o gaúcho é um forte, especialmente aqueles que sobrevivem (ao clima)”. E aqui eu deveria colocar uma risadinha. Nos anos em que sua família morou por aqui, cada inverno era um purgatório de rinites e sinusites para a esposa dele. 

Tendo começado pelo clima, talvez seja um momento de passar ao necrológio. E recentemente perdemos a Aracy Balabanian. Grande atriz! Engrandeceu a sua arte e nos deixou na memória suas interpretações. Eu sou muito jovem para me lembrar de suas atuações em Vila Sésamo. Mas certamente lembrarei da Dona Armênia na novela Rainha da Sucata, e da Cassandra no humorístico Sai de Baixo. Acho que quando Aracy entrava em cena encarnando Cassandra, realmente dava um certo tom de requinte e ao mesmo tempo comicidade ao programa. Fica a dúvida: viver 83 anos é o bastante? É muito? É pouco? 

Escrevo em 13 de agosto. Dia 16 seria aniversário do jornalista Millôr Fernandes. Seu centenário. O jornal Folha de São Paulo publicou alguns textos celebratórios a ele, Millôr. Interessante que nesse ano se celebrem o centenário de Sérgio Porto, nascido em janeiro, e o de Millôr, agora em agosto. Como o primeiro morreu muito precocemente, com 45 anos, e o último muito mais recentemente, aos 88 anos, Millôr nos parece muito mais presente e importante. Ou talvez seja só impressão minha. E pensar que já se vão 4 anos em que trabalhamos juntos no livro em homenagem ao Millôr. E hoje trabalho em um livro em homenagem ao Sergio Porto, na figura de seu alter ego, Stanislaw Ponte Preta, que deverá sair no final deste ano. 

Por fim, chego ao que me afligiu, ainda na semana anterior. Falo da matança promovida pela polícia militar de São Paulo, no balneário de Guarujá naquele estado. Por que as forças policiais deste país não trabalham para simplesmente prender os suspeitos/culpados? Por que parece que usam violência desmedida, para, aparentemente, causar mais temor que respeito ou afeto nas localidades onde agem assim? 

E por que tanta gente apóia esse tipo de ação por parte da polícia? Fingem que acreditam que a sociedade ficará mais segura desse jeito?

Talvez seja só uma questão de repetir os versos de Baader-Meinhof Blues, da Legião Urbana: “A violência é tão fascinante / E nossas vidas são tão normais (…)”.

Passam os dias, tudo cai em silêncio. 

Tempos depois, é possível prever, outro policial é ferido ou assassinado, uma força policial barbariza uma comunidade como vingança. Como se fosse tudo natural. Repetindo o final da animação do Rei Leão, “nesse ciclo, ciclo sem fim”. 


13, 14, 15/08/2023.

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