Na cama com Danuza


Caro mestre Rubem,


Acredito que a citação jocosa do Ed, que eu sou o cronista que lê obituários, vai ficar na minha memória. Mais ou menos como a personagem de Tatuagem quer se impregnar no amado. Não sei se faz sentido, mas a associação me ocorreu. 

Quanto a esse título dúbio, ele tem sua razão de ser. Casualmente eu li as memórias de Danuza Leão, “Quase tudo”, ainda no primeiro ano da peste. E, sim, boa parte da leitura foi antes de dormir, na cama. Sei. Possivelmente o título vá chamar cliques, mas fazer o quê?

Como eu disse, li o livro no primeiro ano da peste, e publiquei o comentário uns meses depois, como, às vezes, é do meu feitio. 

Costumo ler obituários sim, mas nesse caso não foi necessário. O falecimento de Danuza estourou em manchetes.

Sim, afinal ela foi uma grande dama da sociedade carioca, embora partindo de uma família de classe média. 

Muito jovem foi ser modelo em Paris. E empilhou atividades. Jurada de programa de televisão. Hostess de casa noturna badalada. Jornalista e escritora. Cronista. 

Sobre esse último metiê, há, pelo menos, um livro que já traz a palavra crônica no título, “Crônicas para guardar” (Editora Arx, 2002). Quem sabe uma futura masterclass possa homenageá-la?

No livro ela fala de muita coisa, não sei se quase tudo. Como quase tudo é muita coisa, vou seguir o Humberto Gessinger, e dizer que “quase tudo quase sempre é quase nada”. Muita coisa deve ter ficado de fora pelo que li nos, huuummm... obituários. 

Para nós que guardamos admiração pela cidade do Rio de Janeiro, com ela se vai mais um pouco dessa idade mítica de anos dourados e anos decadentes da cidade. 

De especial interesse para nós, talvez seja seu relacionamento com Antonio Maria. O Maria que ela amou e cuidou. E mesmo já estando separada, caiu sob um luto pesado quando soube da morte do (agora) nosso polímata. 

A mulher que esteve casada com o jornalista Samuel Wainer, antes de estar com o Maria. Com Wainer teve três filhos. Sendo que um deles, o também jornalista Samuel Wainer Filho morreu jovem, em um acidente automobilístico. 

E ainda casou-se com o, mais um, jornalista, Renato Machado. 

E deve ter tido outros tantos amores, como indicam os textos dedicados à sua memória, publicados pelo Ruy Castro e pelo Mario Sergio Conti. 

Para mim e o Felipe, e outros que gostem de uísque, em “Quase tudo”, ela revela que a grã-finagem do Rio costumava tomar Passport. Será que a informação é relevante? Bom, me chamou a atenção. 

Se passam os dias, e tantos e tantas indo. Como disse a Avelina. 

Por coincidência, Danuza faleceu na mesma semana que Gilberto Gil completa 80 anos. “Mundo dá volta, camará”.

Danuza tinha 88 anos. Eram 72 quando suas memórias foram publicadas. Foram 88 anos bem vividos. Subjetivamente eu diria que muito bem vividos, mas nunca vou poder perguntar a ela. “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.

E assim termino.

Fique com meu dedicado e atencioso abraço.


27, 28/06/2022.

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