Dr. Sergio Faviero, urologista



Minha primeira consulta com o Dr. Sergio Faviero aconteceu porque a empresa trocou o fornecedor do plano de saúde. 

À primeira vista, me pareceu uma figura sinistra, com seus óculos escuros degradês em uma sala artificialmente iluminada. 

Que idade teria? Alguma coisa ao redor de sessenta anos talvez. Ou, entre uns 58 e uns 64. 

Nessa idade ainda tinha cabelos. Cabelos encaracolados, que mantinha curtos e aparados. Eu desconfio que pintava. 

Na primeira consulta me perguntou se eu já era seu paciente. E na primeira vez, eu obviamente ainda não era. O curioso é que as consultas se sucederam, duas, três, cinco… dez? Não sei. Mas era comum que continuasse me perguntando se eu já era seu paciente. Sim. Cada vez mais eu era seu paciente. 

Moderno, costumava usar um laptop para imprimir requisições de exames e atestados de comparecimento. Ou talvez nem tanto. O modelo que ele usava, extremamente compacto, devia ser do início deste século. 

Depois do meu estranhamento inicial, ele se tornou para mim um médico franco e confiável. 

Com o tempo começamos a ter mais intimidade. Afinal nada melhor que a intimidade para exames de toque anuais. 

Começamos a conversar mais. Ele comentava do incremento dos casos de DST após a consolidação de tratamentos que tornaram a AIDS algo como uma doença crônica. Não falava apenas da síndrome de deficiência imunológica adquirida. Espantava-lhe também o crescimento de casos de sífilis no consultório. Sífilis, gonorreia, clamídia… 

Médico tarimbado, uma vez me contou sobre como diagnosticou diabetes em um paciente a partir de micose na região genital. 

Outra vez comentou sua observação das mudanças nos costumes, falando de um paciente ancião, que vinha acompanhado na consulta pela namorada da neta. 

Por estes dias, achei que estaria na hora de retornar ao consultório novamente, para as revisões periódicas a que a gente se submete à medida que envelhece. 

Telefonei, mas uma mensagem automática disse que o telefone não estava acessível, e eu deveria tentar mais tarde. 

Tentei nos dias seguintes e a ligação continuava não sendo possível. 

O consultório fica no centro da cidade, e eu fiquei me perguntando a que nível chegara a criminalidade, para que roubos de cabos atrapalhassem a telefonia no centro. 

Esta semana, tendo que resolver alguns outros assuntos particulares no centro, resolvi passar no prédio do consultório, para ver se, de repente, o telefone mudara, e se eu poderia marcar a consulta pessoalmente. 

Na portaria do prédio, perguntei ao porteiro se a clínica continuava funcionando naquele edifício. 

Ele me informou que tinham se mudado. Me perguntou se a minha consulta era para dermatologia. 

Eu respondi que queria consultar o urologista, Dr. Sérgio. 

“O Dr. Sérgio Faviero? Ele faleceu no início do ano.”

“Sério?”

“Sim.”

“O senhor sabe do que ele morreu?”

“Foi um infarto fulminante.”

“Bah! Vou precisar procurar outro urologista.”

Talvez o porteiro tenha dito um vago “é”….

Em choque, desci a Rua da Praia, em busca de meus outros afazeres. 


12/06/2022.

Comentários

  1. Belíssima crônica, José Alfredo! Como não resisto ao trocadilho (e em se tratando de uma homenagem ao urologista), diria: tocante! Abraços!

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