Início da Ronda



Bia convidou-nos a um espetáculo no Theatro São Pedro. Quer dizer, na concha acústica ao lado do prédio principal.

Nos consultamos entre nós, e após hesitações, e reticências, acabamos concordando, que sim, que poderia ser uma boa assistir ao tal espetáculo com Bia.

Bella ainda queria visitar sua mãe. Eu achei que não convinha, que deixasse para o dia seguinte. Provavelmente aconteceria desencontro. Mas ela não atendeu ao meu apelo, dizia que o desejo de rever a mãe era inadiável. E se foi. 

Fiquei em casa dando tempo ao tempo. Comprei medicamentos, e coisas básicas que nos faltavam no mercado. 

O tempo passou, e chegou o momento de se preparar para sair. 

Para complicar mais as coisas, Bia mandou mensagem dizendo onde estaria sentada, e que a bateria de seu celular estava no fim. Em instantes as telecomunicações com ela estariam cortadas. 

O espetáculo deveria iniciar às dezoito horas. Havíamos marcado quinze minutos antes, na frente do teatro. Mas aquela mensagem de Bia mudou o combinado. Ela ficaria nas últimas fileiras da plateia.

Cheguei cerca de vinte minutos antes das seis. Tentei contato com Bella, chamando-a ao telefone, e enviando-lhe mensagens. Mas ela não respondia. O tempo foi passando e eu fui me angustiando. 

Quando faltavam menos de cinco minutos para o horário de início do espetáculo, Bella apareceu descendo as escadarias da Praça da Matriz, e atravessando a rua. Bella chegou com um sorriso iluminado e pudemos nos dirigir à apresentação. Fiquei feliz de vê-la. Já a imaginava desistindo, e nós em uma longa discussão da relação durante a noite. 

Bia nos alcançou os convites, e pudemos desfrutar do show. 

O show consistia em algumas cenas de teatros de bonecos do Centro de Referências Teatro de Bonecos RS. 

Em duas cenas, um boneco representando um velho maragato se apresentou contando causos. Esse maragato tinha a voz cansada, os passos e a voz lentos, e reclamava das dores nas juntas. Eu mesmo fiquei pensando, “ai, minhas costas”.

Outra cena foi uma esquete sobre um encontro / desencontro numa parada de ônibus. Uma atrapalhada confusão entre os bonecos Carlito e Miguelito, que divertiu bastante as crianças na plateia. 

Por fim, houve um trecho de um monólogo de Cartas de Marilyn Monroe. Ela recita cartas escritas durante uma internação em um manicômio. Apesar da temática interessante, essa parte foi bem constrangedora porque, como eu já disse, havia crianças na plateia, e essa apresentação era muito adulta. 

O espetáculo era bem mambembe, com a iluminação sendo instalada e ajustada pelos técnicos enquanto os bonequeiros se apresentavam. 

Terminou rapidamente. Uma hora de apresentação. 

Resolvemos então sentar para conversar. 

Vimos que o Café do Theatro São Pedro estava aberto e foi para lá que fomos. 

O fim do crepúsculo tornou aquele dia quente em uma noite agradável. 

Os assuntos eram, talvez, os esperados. A vida laboral pregressa. Como tinha sido a faculdade. Que cursos tinham sido cursados. 

Enquanto isso comíamos e bebíamos muito comportadamente. Guaraná, água com gás, cortado, pão de queijo, iscone. Seria iscone o nome? É uma espécie de bolo, com queijo parmesão, e, pelo jeito, sem glúten. Quindim de nozes, quindim de ovos, brownie servido com a calda ainda quente. 

Duas horas de conversa se passaram voando. E é interessante notar que nesse tempo todo, não falamos no caos político e social de nosso país. 

A cafeteria fechou. 

Bella sugeriu continuar o assunto no Boteco Histórico, na Rua da Praia. Bia concordou. Eu assenti. 

E assim fomos, caminhando lentamente, descendo o último trecho da General Câmara, depois descendo a Riachuelo. Outra descida na Caldas Júnior, com direito a receber panfleto de uma mulher anunciando programação de uma igreja neopentecostal. 

Ao chegar à Rua da Praia, foram poucos passos mais até chegar ao Boteco, que funciona numa das remanescentes casas de azulejos do centro da cidade. 

Sentamos e pedimos chopes. Constatamos que apesar dos petiscos na cafeteria estávamos com fome. Pedimos uma pizza tamanho família, que consistia em muçarela, calabresa, pimentão, cebola e azeitona. Parecia portuguesa, mas era chamada de suprema. 

Esta pizza que parecia tão grande à chegada, foi quase totalmente devorada. Ao fim, quem acabou dizimada mesmo foi a nossa fome.

Após o meu chope, pedi outro, e depois outro. Já as meninas, após o primeiro chope voltaram à água com bolinhas. 

Os assuntos continuaram, com histórias de família de parte a parte. 

E assim, se passaram horas. E quando nos demos por conta o bar já estava fechando. 

Resolvemos continuar a conversa num bar da José do Patrocínio. 

Chamamos a condução. 

Quando chegou a rádio sintonizava uma estação com um programa especial de música latina. Daí a pouco começou a tocar “Pongamos que Hablo de Martinez”, de Jorge Drexler: “Fuimos cerrando uno a uno cuatro bares / Montevideo, ya hacía rato, amanecía ...”. 

Rimos.



30/04/2018, 19/06/2022.

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