Uma ilha e uma rainha


Dois eventos foram muito marcantes nestes dias que passaram. 

O primeiro foi que uma ilha no Atlântico Norte resolveu coroar seu novo rei. 

Essa ilha resolveu se separar da Europa faz não muito tempo. 

Faz ainda menos tempo que a soberana desta ilha faleceu, após um longuíssimo reinado. De fato o mais longo dessa ilha. 

Lembrei do tempo em que o Brasil fez um plebiscito para decidir se queria continuar república ou voltar a ser um reino. Na época alguém evocou a fábula de Esopo sobre os sapos pedirem um rei a Júpiter. Deve ter sido algum francês a fazer essa troça. Devo dizer, contra mim mesmo, que eu era pelo reinado. Ilusão juvenil de estabilidade política. A ilusão que a estabilidade politica poderia ser imposta a partir do regime de estado. 

A coroação do novo rei me relembrou essa fábula de Esopo. 

Por outro lado, um jornal de São Paulo publicou longa reportagem sobre como deveriam ser os ritos da tal coroação. Primeiro parecia que a reportagem explicando a coroação não teria fim. O texto me enviou para a Idade Média, aquele período entre os séculos V e XV para a Europa. Na Idade Média abundavam reis, rainhas, príncipes, princesas e todo uma hierarquia de nobres. Franceses e estadunidenses começaram a tornar isso obsoleto no final do século XVIII. Mas cá estamos, muitos de nós, prestando atenção a essa obsolescência, mais de trezentos anos depois. 

O João Pereira Coutinho, colunista conservador da Folha de São Paulo, afirmou que haveria monarquias nos países mais ricos, livres e estáveis da Europa. Bom, tudo é debatível. O país mais rico da Europa é a Alemanha, que é uma república. Ok, em seguida vêm o Reino Unido. Mas é de se perguntar que estabilidade é essa com “Brexit”, desejos de secessão por parte da Escócia, e inquietações na Irlanda do Norte. A seguir vêm França e Itália. Que são repúblicas. Não são estáveis? A Espanha com seu Felipe VI é? Com rei jubilado exilado e repressão à secessão catalã e aos republicanos espanhóis? Enfim, estico o texto. 

Feliz reinado ao rei que essa ilha do Atlântico Norte coroou. 

Já que falamos tanto em reis, passemos ao segundo evento. 

E para nossa tristeza, uma rainha nos deixou. Falo de Rita Lee. 

O longo lamento de muitos fãs não deixa dúvida que ela era uma rainha. E uma rainha que teve muitas vidas. 

Eu, por exemplo, comecei a prestar atenção a ela em sua terceira encarnação. A rainha do pop. Nessa fase estão os discos lançados no final da década de 1970 e no decênio seguinte. Inclui canções como Mania de Você (que foi trilha sonora para uma propaganda de roupas que quem era adolescente naqueles anos, não esquecerá jamais). Passa por Lança Perfume, Flagra e Baila Comigo. Minha irmã deve ter comprado alguns dos LPs dessa época, que pude ouvir, primeiro em um toca-discos portátil, depois em um 3 em 1. 

Depois, mais velho, descobri a participação de Rita nos Mutantes. Por exemplo, a apresentação em acompanharam Gilberto Gil cantando Domingo no Parque, em um festival de música nos anos 1960. 

Mais recentemente, Rita se tornou uma contadora de histórias. Escreveu livros infantis e duas autobiografias. Sim, duas biografias, pelo que li em resenhas. A primeira aborda todas as suas encarnações, tipo, do nascimento à rainha do pop rock brasileiro. A segunda, seus últimos anos, em luta contra o câncer. O câncer por fim a levou. 

Rita Lee se foi. Talvez estivesse em seu tempo. Mas deixou uma legião de fãs orfãos, que desejavam que ela fosse imortal (de fato, imortal já é, mas bem que não queriam que ela deixasse, digamos, este plano). 


15, 16/05/2023.

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