Diário – leituras – Os versos satânicos


Simplificadamente, Os versos satânicos conta as aventuras e desventuras de dois atores anglo-indianos, Gibreel Farishta e Saladin Chamcha, que, incrivelmente, sobrevivem a queda de um avião por conta de um atentado, e lutam para retomar suas vidas após terem sido tomados como vítimas desse atentado. 

Mas obviamente a história não é tão simples. De fato, são múltiplas histórias dentro desse livro. 

Por exemplo, as relações das pessoas das antigas colônias do ex-Império Britânico, que resolvem ir viver na antiga metrópole colonial, como é o caso dos nossos protagonistas. 

Também a vida em bairros onde se concentram esses moradores vindos das antigas colônias. Além de Paquistão, Índia e Bangladesh, pessoas vindas de ilhas no Caribe, ou de países africanos, como a Nigéria. 

A violência policial sob o governo de Margareth Thatcher naquela Inglaterra dos anos 1980. 

Ou a vida na Índia daqueles mesmos anos. 

Quando comecei a ler o livro tive sentimentos de estar lendo algo de Gabriel García Marques. Ou, ao menos, algo muito influenciado por ele. Em especial a sobrevivência dos protagonistas ao acidente, relatado nas primeiras páginas do livro. 

Depois há as histórias dentro da história. Por exemplo, os relatos do início da pregação de Maomé, ou Muhamad. Que pode ser interpretado como a blasfêmia que muitos muçulmanos enxergaram, como também pode ser o relato de uma filmagem recriando a vida do fundador do islamismo. 

E todo o livro é perpassado por essas questões. O que significa ser um indiano na Inglaterra. O que significa ser um indiano muçulmano em um país de maioria hindu (e onde infelizmente, certos políticos apelam cada vez mais ao chauvinismo para reprimir minorias). Qual o papel da religião nos dias de hoje (embora a história seja ambientada nos anos 1980, é como se fosse hoje).

O livro estava na pilha dos livros a serem lidos. Sua vez chegou com a mais recente tentativa de assassinato do autor, que resultou em perda da visão de um olho, e de parte do movimento de um dos braços de Rushdie. Uma vergonha. O perpetrador foi um jovem fanatizado, que provavelmente não leu uma palavra do livro.

Fanáticos tendem a sempre simplificar qualquer coisa que seja minimamente complexa, e procuram reforçar um sentido em que eles, fanáticos, sejam o bem, e quem não esteja com eles seja o mal. Triste.

Achei um bom livro. Complexo. Faz pensar. Faz rir. Inclusive me deu pena chegar ao fim de sua leitura.

RUSHDIE, Salman. Os versos satânicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.


19/04/2023, 06/05/2023. 

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