Diário da Peste (XLIV) - Fim de inverno 2021 ou A Podridão



Choveu o dia todo segunda-feira, 13. Até à noite, quando parecia que tinha parado de chover, choveu de novo. 

A meteorologia falou de frente fria, encerrando os dias de primavera que tivemos sábado e domingo passados. 

Faz uma semana que respiramos aliviados que o golpe de estado com data marcada não instalou uma ditadura em nome da liberdade. 

Liberdade com qualificativos. Liberdade de mentir, de falsear, de caluniar. Liberdade de destruir, desmatar, queimar. 

Liberdade de extorquir, expulsar. No limite, liberdade de matar. 

O filósofo Renato Lessa publicou na revista Piauí de julho passado um texto chamado "A destruição". No artigo, ele ressalta uma palavra: podre. O substantivo adjetivo dos dias. Podre. 

Uma das maledicências favoritas dos seres humanos, quando é possível, é falar mal dessa entidade ideal, o político, ou desses entes genéricos, os políticos. 

São todos ladrões; só cuidam de si próprios, e não da comunidade; egoístas; mentirosos; usufrutuários de mordomias e altos salários. 

Talvez sejam mesmo. Embora esse assunto de conversa de elevador ou de taxista na maior parte das vezes me gere preguiça ou enfado. 

Mas devo dizer, que nunca antes eu parava de ler notícias, por ter nojo. Eis, aí, o eco de Renato Lessa. A podridão. 

Tento seguir. 

Lendo rápido e devagar a poesia de Ana Mello, em Poesia Projetada. 

Lendo quando é possível Notas sobre o luto, de Chimamanda Adichie. 

Lendo quando é possível o até agora mais poético livro de Rubem Penz. Hoje não vou falar de amor. O título é muito mentiroso. 

Lendo aos poucos Brasil, de Errol Lincoln Uys, esse livro publicado aqui na década de 1980. 

Eu já o citei antes. E lembro de tê-lo visto na estante do reverendo pastor Richard Hipps, quando ele era missionário no Brasil. Não houve nenhuma manifestação da parte dele a respeito. Não sei se ele não leu o livro, se leu e esqueceu, ou se não viu minha nota. 

O livro é correto. Apesar de ficção, usa alguns personagens para guiar a formação do que hoje chamamos Brasil. É interessante que a primeira seção se chame Os Tupiniquins. E não se chame Os Índios. Por que o autor descreve os povos que viviam no território, e não eram os índios. Eram os tupiniquins, os tupinambás, os tapajós, os cariris. E outros. Assim como diferimos franceses de ingleses e de alemães. 

Aliás, faz pouco tempo descobri que ele tem um blogue também. No texto que olhei, ele, um homem na casa dos seus sessenta e algo, reflete sobre o texto de outro pastor, pastor este que não gosta da morte, mesmo com a esperança de vida no pós-morte, inclusive com ressurreição. Crença cristã. 

No texto do pastor Hipps, ele comenta sua esperança final, e o impacto que lhe causou a morte prematura de sua filha caçula, por uma miocardite fulminante, com cinco ou seis anos de idade. 

A morte de uma criança, de um filho, é coisa irreparável. Pastor Hipps já tem netos e netas, mas a marca da perda da caçula ainda está lá. Alimentando a esperança de um mundo melhor no pós-morte, onde ele possa, quem sabe? Reencontrar sua filha caçula, na plenitude que Deus lhe der. 

O inverno vai terminando. 

A peste vai terminando. Leio no jornal que em Canoas houve um grande intervalo de dias sem mortes atribuídas à peste. 

O mesmo jornal informa que por estes dias é cada vez menor o número de leitos ocupados por portadores da peste. Tanto nas UTIs quanto nas enfermarias. 

Tudo deve chegar a um fim. 

Talvez mesmo a podridão. 


14/09/2021.

Comentários

  1. José, que crônica sublime. Sou grato em merecer sua leitura e devo dizer que, de tão podre, tenho evitado algumas editorias. Dá náusea. Certo, certo mesmo é acompanhar a ti e aos nossos. Abração, Rubem

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Poemas de Abbas Kiarostami na Piauí de Junho/2018

Jussara Fösch partiu em 16 de abril de 2024

Sessão de Autógrafos - A Voz dos Novos Tempos