Adeus, Tia Irene


Dia 2 de outubro passado faleceu minha tia Irene. Tia por afinidade, casada com um irmão de minha mãe, o caçula, o tio Milton. Lembro dele a chamando muitas vezes por “Irení”. 

Tia Irene era a última da geração de meus pais. 

Meu pai só tinha um irmão, meu tio João. Do pouco que me lembro de minha infância, ele vivia como um mendigo na cidade de Rio Grande. Nossa família era de lá. Cada vez que meu pai viajava para lá, ajudava o irmão como podia. Era um pobre tentando ajudar um miserável. Foram algumas viagens ao sul do estado até que em uma dessas viagens meu tio não foi encontrado, nem meu pai soube mais notícias. Provavelmente meu tio morreu e foi sepultado como o indigente que ele era. 

De forma que as relações familiares acabaram se estabelecendo pelo lado materno. Minha mãe tinha três irmãos. O mais velho, tio Vivaldo, cujo verdadeiro nome era Vivaldino, era o primogênito. Ele vivia em Rio Grande. Minha mãe vinha a seguir. Depois o Tio Dalvo, que também vivia em Rio Grande; e o tio Milton que vivia aqui por Porto Alegre. 

Quando eu era criança ainda pude conviver com minha avó, Rosalina, e meu avô Augusto. Meus avós moraram conosco até falecerem, ela em 1973, ele em 1979. 

A minha família e a de meu tio Milton eram relativamente próximas. Com diversas confraternizações de aniversários e de fim de ano. Foram diversos os churrascos assados pelo tio Milton na minha infância. E ainda nesse aspecto, a minha melhor lembrança culinária de minha tia Irene, a sua torta de bolacha, que na minha lembrança ela fazia com biscoitos champagne, imersos em guaraná (frisante) Polar. Fora todas as demais coisas, talvez só isso fosse suficiente para me emocionar. 

Houve um tempo que moramos muito próximos de casa de meu tio. E então nos mudamos. Nos mudamos em novembro, de forma que não era possível, ou era muito inconveniente me transferir de escola. Minha mãe bolou um esquema para que eu não perdesse o ano escolar. A logística consistia em que eu pegasse um ônibus bem cedo na Avenida Antônio de Carvalho, até a Protásio Alves, onde eu devia descer. E caminhar até a casa de minha tia Irene. Ali aguardaria o horário de ir para a escola. Depois da escola eu deveria pegar um ônibus ali em frente até o centro, onde minha irmã mais velha, que trabalhava por lá, me colocaria em outro ônibus de volta para casa. Foi cerca de um mês nessa função. Nesse período só me lembro de ter chegado atrasado um dia: perdemos o ônibus na Antonio de Carvalho e o seguinte só passaria uma hora depois. Só agora me dou conta da mão que tu isso devia significar, e penso que nunca agradeci a nenhuma das envolvidas com isso. Então, onde quer que estiverem, obrigado mãe, obrigado tia, obrigado mana. 

Nesse curto período pude ter contato, com meu primo Eduardo, o caçula de tia Irene, e de nossa geração. Eu era um menino do primeiro ano do ensino primário, ele um quase bebê. Não lembro de nada com vivacidade, apenas uma sensação boa, de que aqueles foram bons tempos. 

O tempo passou, e desde 1990, a morte fez sua colheita. Se foram meu pai; minha mãe; o tio Vivaldo; a tia Dora, esposa do tio Vivaldo; a tia Docilda, esposa do tio Dalvo; o tio Dalvo; o tio Milton. E agora a tia Irene. Alguns de minha geração já se foram também. Minha prima Jussara, que se foi cedo demais, quarenta e poucos anos; meu primo Renato, em um acidente de bicicleta; minha irmã; meu primo Idailson; meu primo Hamilton. Alguns de nós estamos sobrevivendo por enquanto. 

No velório foi possível admirar as rugas de Tia Irene. Saudar o fato dela poder ter se tornado velhinha, ter visto os filhos crescerem e conviver com netos e netas. Olhar e pensar que parecia que ela parecia dormir e poderia acordar a qualquer momento, como tantas vezes pensamos tanto de outros defuntos queridos. Também foi possível ouvir algumas aventuras de meu primo Eduardo. 

Fazendo todo esse inventário, talvez eu consiga entender porquê durante o velório senti uma comoção inesperada, talvez mais intensa que quando faleceu minha mãe. Ou não. 

Adeus, tia Irene. 

* 06/09/1930 + 02/10/2019 


15/10/2019


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