O retorno do imbecil paranoico


Ah, a delícia de fotografar na rua! Sim, fotografar na rua, mesmo. Fotografar em seu cotidiano. Sentir-se como um turista, ou um explorador, mesmo nas ruas do seu bairro, da sua cidade. 

Já devo ter dito que gosto de fotografar desde que minha irmã me emprestou a velha Kodak Instamatic 155X, na primeira viagem que fiz a Gramado lá no início dos anos 1980. Eu acho que até sonhei em ser fotógrafo profissional naquele tempo. Mas acabei desencorajado pelo preço dos equipamentos fotográficos. Preços muito altos para o meu bolso. E ainda havia o custo da revelação e impressão das fotos. 

Não me tornei fotógrafo profissional, mas comprei câmeras baratas ao longo da vida e procurei manter registros da minha história e de quem me era próximo. 

No início deste século XXI, quando comecei a adquirir câmeras fotográficas digitais, as coisas melhoraram muito. Ficou muito mais simples e barato registrar o cotidiano. 

Mas sempre há o imbecil paranoico. Ou sua variante bobinha, o imbecil engraçadinho. Certo. Não são necessariamente imbecis. É a minha ranhetice que os qualifica assim.

Talvez você conheça o argentino da piada. É sobre uma suposta vaidade dos argentinos, que de fato tem mais a ver com os portenhos, que com o povo das demais províncias. É mais ou menos assim: com a aproximação de uma tempestade, há um relâmpago sobre Buenos Aires. Um cidadão que caminhava pela rua, olha ao redor, em busca de algo. Pergunta-se quem o teria fotografado. 

Os imbecis metidos são um pouco assim. 

Minha mais remota lembrança desses tipos remonta aos anos 1990. Eu tinha um terreno em uma cidade na região metropolitana de Porto Alegre. Fui lá dar uma olhada no terreno e levei uma câmera para registrar o estado em que a propriedade se encontrava. Havia uma outra família na área no momento. Tirei minhas fotos, entrei no carro e fui embora. Pois um homem dessa família resolveu me seguir e me perguntar por que eu o tinha fotografado. Disse que era militar e prezava pela própria segurança. Informei ele que não o tinha fotografado. Claro que ser interpelado me fez ficar com imensa raiva desse tal militar. Até hoje penso que era algum tipo de espião.

Um exemplo de engraçadinho foi um paspalhão que estava caminhando com algum amigo ou colega. Passou por mim. Eu carregava uma câmera. O imbecil disse que se eu quisesse fotografar uma coisa bonita, era só esperar ele ficar pelado. Não é engraçado? Mas, pensando bem agora, será que era algum tipo de cantada?

O mais recente episódio aconteceu há alguns dias, próximo da minha casa. Um objeto que gosto de fotografar são os ônibus. São de grande variedade de cores e tamanhos. Muitas vezes multicoloridos. Então, havia esse ônibus no meu caminho. E o fotografei. Quando vou passando surge à janela do veículo mais um desses. Me perguntou se eu não o queria fotografar também. Respondi que não, fotografar o ônibus me bastava. Me perguntou por que eu fotografei o ônibus. Porque o ônibus estava na rua, foi o que eu disse. Me perguntou o que eu pretendia fazer com a foto. Colecionar. 

Ao deparar com esses tipos, sempre me dá vontade de xingar. Luto comigo mesmo para que eu também não me torne um imbecil paranoico. 


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Ilustração produzida com a IA ImageFX

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18/04/2025, 10/06/2025. 

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