Cara Carol – IV: um ano se passou
Porto Alegre, 3 de maio de 2025
Cara Carol,
É outono em Porto Alegre. Dias outonais como talvez devessem ser; ou como eu os imagino. Dias de se vestir como cebola. De início as manhãs frias e as roupas quentes. Ao longo da manhã o tempo de ir se desagasalhando; até a metade da tarde. E então pensar em voltar a agasalhar-se.
Nestas manhãs, tenho acordado com o canto de passarinhos. Inclusive parece que esses passarinhos ficam mais animados no outono do que no verão. Nas primeiras horas das manhãs de verão parecia que tudo era silêncio.
Têm sido dias ensolarados. Dias da luz de outono. Mesmo que caminhemos para dias de menos luz solar.
Já se passou um ano do início da catástrofe climática que atingiu Porto Alegre.
Lembras como foi o teu choque com a situação? O meu choque foi pelos vídeos que chegavam compartilhados através do aplicativo de mensagens. Primeiro ao nível do chão. Imagens de um ônibus rodando com dificuldade pela Mauá; esse ônibus quase navegava. Depois a Rodoviária inundada. E então, deve ter sido na manhã do dia 3 de maio de 2024 – não tenho certeza – a imagem aérea do largo da Rodoviária totalmente alagado, como se tudo fosse o Guaíba. Uma imagem apocalíptica, de um filme catástrofe. Mas não era um filme. Não era nem ao menos um pesadelo. Era real. Depois o compartilhamento das imagens feitas por uma moradora daquele único prédio residencial lá do início da Siqueira Campos. Ela morava em um dos andares mais altos. A Siqueira Campos, e todos os lugares para onde aquela janela permitia olhar, sob a água.
O prefeito, que deveria ter trabalhado para que aquilo não acontecesse, ou, ao menos, trabalhado para que o prejuízo fosse menor, mas não fez o que tinha que fazer, se escondeu atrás da expressão “choveu demais”. De quebra ainda recomendou que quem pudesse, deixasse a cidade.
Dias sem luz elétrica, ou com fornecimento intermitente. Dias de falta de água potável, apesar de haver tanta água nas ruas da cidade. Dias de racionamento de água mineral da parte de quem ainda tinha estoque.
Dias de aeroporto alagado e desativado – ficaria desativado por cinco meses. Dias da cidade quase isolada.
Mas, que vou dizer? Tive a felicidade de viver em um canto da zona norte da cidade que não foi atingido. E ainda viajei em maio. Uma viagem planejada havia meses.
Sorte? Bênção?
A Parêntese desta semana traz uma série de depoimentos da Grande Enchente de 2024. A maior da história. Até agora. A enchente que superou a Grande Enchente de 1941. Depois de ler todos aqueles depoimentos, fiquei me perguntando sobre as pessoas que, com tudo o que aconteceu, reelegeram o prefeito. Onde estão elas (levando em consideração que são a maioria)? O que dizem? Por que votaram nele? Reforçarão o estereótipo em que gostamos de pensar, que antes eleger um negacionista do clima e incompetente do que um “comunista”? Sim, comunista é um espantalho para ser agitado contra qualquer um que seja contra desregulamentação e precarização da vida dos mais pobres, independente de quaisquer ideias ou discursos professados.
São lindos esses dias do início de maio. Lindos dias de outono.
Ainda bem, porque as comportas sob o dique da Castelo Branco continuam inoperantes, incapazes de conter qualquer nova cheia.
Certamente uma nova enchente não demorará 25 anos, como aconteceu entre as cheias de 1941 e 1967. Nos últimos tempos tivemos a cheia de 2015, as de setembro e novembro/dezembro de 2023, e, bem, aqui estamos rememorando maio de 2024.
Por agora, o governador falou da força e da garra do povo gaúcho. O mesmo governador que passou desregulamentações para facilitar desmatamento, e, por consequência, assoreamento de rios, o que vai facilitar novas enchentes.
Estando à mercê da natureza e com estes governantes – façanhudos, como diz o hino regional – e seus eleitores, talvez reste a nós rezar. Pelo menos os que têm fé. Para os que não têm, não sei o que dizer.
Enquanto a próxima enchente não vem, podemos desfrutar esse sol de maio.
Abraçasso e beijos!
José
.
.
03, 04/05/2025.
Gostei! A vida como ela é, repleta de canalhas mentirosos.
ResponderExcluirMas hein?
Excluir