Diário – leituras – Raízes do Brasil


E lá se vão alguns dias desde que terminei de ler Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda,  um dos grandes clássicos entre livros chamados de “explicação (ou explicações) do Brasil”, publicados na primeira metade do século XX.  Os outros dois grandes clássicos seriam Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre; e Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Júnior.

Na década de 1930 Sérgio Buarque de Holanda era um historiador e intelectual respeitado, e não apenas o “pai do Chico Buarque”, como acabou se tornando a partir dos anos 1960.

Consegui chegar ao final da leitura na minha segunda tentativa.  :) Não me foi uma leitura super fluente, como é possível imaginar.

O livro virou um clássico em seu pioneirismo de tentar explicar o Brasil a partir da análise da história do país,  e a partir de sua formação, desde que os portugueses por aqui chegaram. Além de tentar interpretar o funcionamento do país, Sérgio Buarque de Holanda ainda faz comparações com os países vizinhos, formados a partir da chegada dos espanhóis. 

O livro permanece um clássico, mas tantos os estudos históricos quanto os sociológicos evoluíram muito de 1936, ou 1955 quando o autor fez uma atualização, para cá. Talvez Raízes do Brasil esteja aguardando uma arqueologia que mostre sua influência no correr dos tempos. 

De destaque para mim dois momentos clássicos no livro. 

O primeiro quando trata do brasileiro como “homem cordial”. Homem cordial, conforme esclarece o livro, não é o homem gentil. É o homem para quem os afetos estão acima das regulamentações. Disso seriam sinal, a possibilidade de burla da lei para proteger pessoas associadas, e a necessidade de construção de laços semelhantes aos da amizade para a realização de negócios. 

O segundo, que no livro aparece citado antes do relatado no parágrafo anterior, é a declaração que os brasileiros seríamos, “uns desterrados em nossa própria terra”. Isto está declarado bem no início do livro, no capítulo Fronteiras da Europa. Ali Sérgio Buarque falava dos portugueses no Novo Mundo. Isso ocorreu no decorrer da colonização portuguesa, e, me parece, acabou renovado pela chegada de novos imigrantes da Europa no decorrer do século XIX. O que vou dizer agora não tem necessária relação com o livro de Sérgio Buarque de Holanda, mas, acho que esse sentimento de desterrado na própria terra vale para muitos descendentes de alemães e italianos aqui do sul do Brasil, onde vivo. Será isso? Ou será que minha sensação é errada? Bom, tantos anos de estudos históricos e sociológicos podem me fazer pensar que esse desterramento é um sentimento de certa elite branca. Por outro lado, tantos anos de estudos históricos e sociológicos acabaram por incorporar ao espectro dos estudos sociais brasileiros as pessoas pretas e os povos indígenas originários. Curiosa e coincidentemente a revista Piauí de março de 2025 – edição 222 – reproduz um artigo do intelectual preto Abdias Nascimento, publicado originalmente nos anos 1970. Em certo ponto do artigo Nascimento diz que aborda, ou abordou, “os problemas que a pessoa negra teve por ter construído [um país] para usufruto alheio, no qual ela mesma segue sendo estrangeira, por causa das condições de marginalização às quais foi relegada”. Ou seja, os brancos podem se sentir desterrados, os pretos podem se sentir estrangeiros por conta da marginalização. Os diversos povos originários também não devem estar contentes depois de terem acesso restrito à terra da qual usufruíam. Talvez isso seja um retrato do Brasil, uma convivência forçada de pessoas infelizes com suas condições. Talvez não. Afinal, este texto é só um registro de leitura. 

Em todo caso, foi bom ter lido esse clássico.


BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

.


.


02, 12/04/2025.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Jussara Fösch e o paradoxo da rede social

16 de outubro de 2024

Eu, a Oficina Santa Sede e a 70ª Feira do Livro de Porto Alegre