As mortes dos Papas e a morte do Papa Francisco


“O Papa é gaúcho?” Ouço meu vizinho cinquentão repetindo a frase em voz alta. Talvez para si mesmo. Talvez para a esposa e a filhinha. A pergunta retórica coloca-nos, meu vizinho e eu, no mesmo horizonte de lembranças. Nesse caso, a visita do Papa João Paulo II segundo ao Brasil, e a Porto Alegre, em 1980. Entre o refrão de uma música muito cantada na época – algo como “a bênção João de Deus, nosso povo te abraça, tu vens em missão de paz, sê bem-vindo e abençoa esse povo que te ama” – e a pergunta que abre este texto, feita pelo próprio Santo Padre, eis algo que ficou na memória. Eu lembro ainda de ter realizado um trabalho escolar sobre a visita do Papa para a disciplina de Moral e Cívica. Conheci uma moça que queria presenteá-lo com uma Bíblia enorme; não conseguiu e chorou de frustração.

Em um país que historicamente teve maioria católica, os Papas acabam sendo referência. 

Eu me lembro de estar indo para a escola em uma manhã fria de 1978 quando saiu a notícia da morte do Papa Paulo VI. Foi um dia praticamente normal de aulas, talvez com alguma menção ao recente passamento do Sumo Pontífice. Nessa época alguém na minha família mencionou um ponto facultativo por luto na morte de outro Papa. Teria sido minha mãe? Ou minha irmã, que era como uma segunda mãe tal a nossa diferença de idades? Para minha mãe isso faria sentido na morte de Pio XI (1939). Para minha irmã na de Pio XII (1958). Não sei. Não sei nem mesmo se foi verdade. 

Fato é que a Paulo VI sucedeu João Paulo I, que tomou esse nome supostamente porque queria homenagear seus antecessores diretos, João XXIII e Paulo VI. Albino Luciani era uma figura simpática que morreu 33 dias após ser eleito. Oficialmente ele teve um infarto fulminante. 

Teoria de conspiração: claro que teorias conspiratórias vão afirmar que João Paulo I foi envenenado. Se não estou enganado até Francis Ford Copolla entrou nessa com insinuações no seu terceiro episódio de O Poderoso Chefão. 

Sigamos.

Fato é que, para mim, Papa mesmo foi João Paulo II. Eleito ainda em 1978, regeu a Igreja Católica Romana até 2005. Foi Papa desde a minha infância até minha idade adulta. Durante seu papado eu fui católico não praticante; depois fui católico praticante; e depois me tornei protestante. Curiosamente quando ele morreu eu me encaminhava para ser um protestante não praticante (e tenho dificuldades para definir o que sou agora, mas isso não me importa muito).

Depois de João Paulo II, foi eleito o Papa Bento XVI. O cardeal alemão Joseph Ratzinger. Um teólogo ortodoxo católico bastante articulado, e que trabalhou junto com João Paulo II para desarticular a Teologia da Libertação na América Latina. 

Quando  faltaram forças a Bento XVI, e ele acabou renunciando ao mandato, digamos assim. Foi assim que o cardeal Jorge Bergoglio se tornou o Papa Francisco.

E desde que Bergoglio assumiu o encargo, tivemos como Papa outra figura simpática. Sorridente. Aparentemente humilde. Um Papa acolhedor. Digamos que um verdadeiro pastor – pensando no Bom Pastor de Jesus (há dois momentos nas palavras de Jesus; um quando ele conta a Parábola da Ovelha Perdida, no capítulo 15 do Evangelho de Lucas; o outro quando ele mesmo se nomeia o Bom Pastor, no capítulo 10 do Evangelho de João). Um Papa que falou em acolhimento e tolerância. 

Acho que não é à toa que a morte do Papa Francisco tenha sido lamentada por tantas pessoas ateias, agnósticas e indiferentes à religião. O homem, uma espécie de representante de Deus na Terra, era, de fato, uma figura muito humana, que expressava valores muito humanísticos. 

Como eu disse antes, a morte de Francisco me pega em um momento de dúvidas a respeito de minha própria fé. Deve ser por isso que recebi seu passamento até com certa indiferença. Reconheço sua imensa figura humana. Reconheço que fará falta. Dependendo de quem o suceder, sentiremos ainda mais falta dele. 


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Imagem vista no saite do Vaticano

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26, 29/04/2024.

Comentários

  1. Realmente alguém que fez a diferença, demostrava ser muito diferente de todos , cheio de humanidade no coração!

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