Se fantasiar de índio?


Não pode! Não podia. Nunca pôde. 

Quer dizer, não é que não pode. Não convêm propor regra (devo dizer que originalmente pensei em escrever cagar regra, mas então achei obsceno, e a seguir me dei conta que cagar regra já virou citação clichê nas redes sociais telemáticas, assim seguimos com propor regra), para depois muitos transgredirem-na. Então, não é que não pode, mas não é de bom tom para pessoas esclarecidas. 

É Carnaval, mas não convém colocar fantasia de índio. 

Aliás, como temos evoluído, talvez seja melhor nem chamar de índio. Tenho lido muito os termos “povos originários”. Povos originários da América. Os descendentes dos que por aqui habitavam antes da invasão europeia. Na escola aprendíamos essa invasão como colonização. 

Assim como não costumamos chamar europeus de europeus, mas de portugueses, espanhóis, italianos, etc, porque cada um com suas peculiaridades e, sim, seus clichês (segunda vez que uso clichê em três parágrafos). Talvez devêssemos chamar de tupinambás, guaicurus, tamoios. Temos visto a tragédia imposta aos ianomanis. 

Por que não pode? Ou não poderia? 

Porque a maioria das pinturas e adereços usados pelos povos originários têm significados que a imensa maioria de nós desconhece. E isso constituiria um desrespeito a essas tantas culturas. 

E tem mais isso, assim como portugueses e espanhóis são diferentes, tupinambás e aimorés são (ou eram) diferentes.

Pelo menos foi o que entendi de texto publicado pela escritora e ativista Txai Suruí, publicado sexta-feira passada na Folha de São Paulo.

A falta do conhecimento pode degenerar em estereótipos e racismo. E o pior é que pode mesmo. 

Me parece um bom sinal que grupos étnicos originários possam expressar sua própria voz e suas reticências com as apropriações de suas culturas. 

Sabemos que no Carnaval nada é sagrado. Pessoas se fantasiam, por exemplo, de padre e freira numa espécie de profanação aos ofícios sagrados. Se fantasiam de mendigo, sem ver o mendigo jogado ali na calçada. 

Há uma diferença. Ser padre, freira ou mendigo não é essencial. Isto é, pessoas podem se tornar padres, ou abandonar a batina. Mesmo um mendigo, com ajuda e força de vontade, pode deixar de ser mendigo. Um ianomani não pode deixar de ser ianomani. 

Vamos lembrar que o “black face” deixou de ser usado. 

Então, veja bem, não é que não pode, mas talvez você não devesse. 


18, 20/02/2023

Comentários

  1. Sabe o que me lembra? Que os homens se vestem de mulher no carnaval e brincam com a feminilidade, como se fosse fútil usar maquiagem e salto alto. Talvez não devessem mais.

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