O mundo sempre andou complicado


De: José Alfredo <JoseAR@emeio.com.br>
Para: Antonio Prata <antonioprata@folha.com.br>
Assunto: O mundo sempre andou complicado

Caro Antonio,


Tenho acompanhado a sua produção cronística na Folha de São Paulo. A de 22 de novembro próximo foi muito tocante, ao falar da felicidade de um amigo alheio às últimas notícias. É a velha reafirmação da ignorância como uma bênção.


Leio suas palavras sobre a queixa da mãe do menino assassinado no Complexo do Alemão, cujo inquérito da polícia civil declara que os policiais militares agiram no legítimo cumprimento de sua missão. Ou sobre os estragos produzidos pala torrente de lama decorrente do rompimento de uma barragem de rejeitos de minério de ferro, num distrito da cidade mineira de Mariana. Ou ainda sobre o ataque terrorista a Paris.


Então você se lamenta sobre a omissão dos homens. Omissão que sempre houve: você relata o esforço de um homem no Gueto de Varsóvia escrevendo para autoridades de diversos países, denunciando a situação, e pedindo intervenção, intervenção esta que nunca veio, tendo o Gueto sido arrasado pelos nazistas, após breve resistência.


Mas parece que as coisas são assim. Você lamenta a si mesmo, quando ao ler sobre um atentado na Nigéria que matou 45 pessoas, não se sentir tão tocado, apenas, digamos, desconfortável.


Infelizmente (ou felizmente para nossa pretensa sanidade mental) parece que somos mais capazes de empatia com algumas situações do que com outras.


Isso pode explicar a comoção intensa com os atentados em Paris, e a quase omissão com atentados na Nigéria. Paris, um dos destinos turísticos mais procurados, é uma cidade com que pessoas do mundo todo podem se identificar, e se deixar comover. Já a Nigéria, um país cujo território foi forjado na prática pelo colonialismo inglês, e uniu etnias com divergências históricas, nunca parece ter deixado de estar em guerra civil de maior ou menor intensidade; um lugar exótico e distante, que quase não nos toca.


Talvez seja essa falta de empatia também que, entre outros fatores, nos torne o país com o maior número absoluto de assassinatos no mundo, e entre os vinte maiores em número proporcional.


Talvez a ignorância seja mesmo uma bênção. Mas sua crônica declara que você continua procurando saber, e denunciando, o que ocorre. Apesar da sua, da nossa, impotência.


Um abraço,


José Alfredo.


30/11/2015 - Crônica feita durante a Oficina Santa Sede de Primavera, com Rubem Penz.


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