Um dia de chuva


Um dia de chuva

Naquela manhã, Rudolph acordou atrasado. Tinha ido dormir tarde na noite anterior, e, portanto, dormiu demais pela manhã. Era 14 de julho e chovia naquela manhã quase quente do inverno de Porto Alegre.

14 de julho é Data Nacional da França. Dia da Queda da Bastilha e origem épica da Revolução Francesa. Mas para Rudolph aquilo não parecia tão importante agora. Ele apenas se incomodava um pouco com a chuva que caía. Na semana anterior a temperatura caíra a próxima de zero. Mas naquela manhã, a temperatura era amena, talvez uns 18 graus. O inverno de Porto Alegre era assim.

Temperaturas para todos os gostos, momentos de muito frio, momentos de calor de vestir apenas uma camiseta e bermudas. A única coisa permanente no inverno de Porto Alegre era a umidade. Umidade literalmente condensada na chuva que caía.

Tendo acordado atrasado, chegou atrasado na repartição. E achou o pessoal agitado. Talvez fosse a chuva. Ele tinha a impressão que o pessoal da repartição ficava mais agitado, e conversava mais em dias de chuva. Tinha momentos em que achava o "zum-zum-zum" dos dias de chuva infernal.

Quando foi pegar um cafezinho, viu no mural o que talvez pudesse ser um outro motivo para a agitação de parte da turma. A mãe do Henrique havia falecido. Um recado no mural informava sobre o falecimento, e indicava que o enterro seria no início da tarde no Cemitério São João.

Rudolph se sentiu desapontado. Sabia da doença da mãe de Henrique, mas estava certo que ela superaria a doença. Claro, algum sofrimento, como costuma acontecer com quimioterapias, mas ela devia ser uma mulher forte, relativamente jovem frente à expectativa de vida que o país havia alcançado. Tinha forças e uma grande torcida a favor. Ele pensava com os seus botões que muitas pessoas tem longa vida, ou em luta com o câncer, ou mesmo vencendo-o. Que o dissesse a presidenta Dilma. Mas não foi o caso.

Quando se aproximou de sua mesa, Rudolph falou com Carla.

"Coisa chata, não?"

"Pois é. Dia chato. Faleceu a mãe do Henrique, e a Luana foi internada." - Comentou ela.

"A Luana foi internada?" - ele ainda não sabia disso. Mais uma novidade ruim.

Tempos atrás, Luana tivera uma crise nervosa, que a fizera ficar internada em uma clinica de saúde mental. A nova internação talvez dissesse que não fosse apenas uma crise nervosa, mas algum problema mais sério. Será que Luana estaria sujeita a algum problema mental que a fizesse necessitar de internações periódicas? Rudolph já ouvira falar de pessoas diagnosticadas com síndromes que as levavam a ser internadas de tempos em tempos.

A internação de Luana era mais uma notícia naquele dia.

Contudo, naquele momento o horário do enterro da mãe de Henrique estava marcado. Rudolph pegou a lotação e se dirigiu ao Cemitério. Desceu na Assis Brasil, e subiu a Marechal José Inácio. Deviam ser uns 600 metros de caminhada até a entrada do Cemitério.

Chegando ao cemitério, ele dirigiu-se ao setor das capelas. Era ali que a mãe de Henrique devia estar sendo velada. E de fato ali ela estava. Naquele momento mais de uma capela estava sendo utilizada, e aquele corredor que dava acesso às capelas estava cheio de gente. Rudolph se aproximou da capela em que a mãe de Henrique estava sendo velada. A pequena capela estava lotada. Henrique permanecia ao lado do esquife enquanto um padre dirigia às pessoas algumas palavras de consolação. Como a capela estava lotada, algumas pessoas permaneciam no corredor. Familiares, amigos, e amigos dos familiares. só de colegas da repartição, Rudolph pensou ter visto mais de uma dúzia, sem contar os que passaram pelo velório, mas já não estavam mais lá no horário do enterro. A umidade de Porto Alegre, e o ajuntamento de gente tornavam o corredor das capelas do cemitério São João um lugar abafado, talvez um pouco claustrofóbico.

Tão logo o padre terminou sua prédica, era o momento estabelecido para o enterro. O armador fechou o caixão, os familiares as alças, e seguiram em direção ao túmulo.

O féretro não deve ter demorado mais que cinco minutos pela alameda principal até o local em que o caixão devia ser colocado.

Colocado o caixão, o coveiro ainda demorou mais alguns minutos para fechar a lápide. Fechada a lápide, foram colocadas sobre ela as coroas de flores. As providências quanto ao descanso final da mãe de Henrique estavam tomadas.

As pessoas que ainda não tinham manifestado seus pêsames, puderam se aproximar dos familiares. Rudolph abraçou Henrique e manifestou sua solidariedade, e disse que sentia muito pela perda.

Mas, no seu íntimo, Rudolph estava frustrado. Imaginava que a mãe de Henrique superaria a doença...

No caminho de volta à repartição, a chuva continuava a cair. Choveu bastante naquele dia. Porto Alegre é uma cidade úmida.






15/07/2011, 18/07/2011, 22/07/2011.

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