Leituras na Piauí – viver a morte, um perfil da Dra. Ana Claudia Quintana Arantes
Cara doutora,
Talvez eu devesse começar pensando que esse é mais um caso de procrastinação. Afinal falamos de um perfil reportagem publicado em abril passado na revista Piauí (a própria editora chama a revista de piauí, assim com minúscula, mas acho que um nome próprio é um nome próprio, mesmo que homônimo de um estado brasileiro), que li, possivelmente, em setembro, e, desde então, deixei a revista sobre a mesa, aguardando que eu escrevesse a respeito, porque eu queria escrever a respeito.
Ou talvez eu devesse começar falando de Jean Claude Bernardet, que me impressionou bastante em um depoimento reportagem na mesma Piauí, anos antes, em julho de 2019. O depoimento está online, mas, infelizmente, apenas para assinantes. Eu imaginava, na minha cabeça, que então eu tinha escrevido (a propósito, dizem os gramáticos mais ortodoxos que “tinha escrevido” é forma errada de, bem, escrever; que o correto é “tinha escrito”, mas “tinha escrevido” me soa tão melhor!), mas quando procurei por meu texto não o encontrei, sinal que não devo tê-lo escrito (curiosamente aqui “tê-lo escrito” me soou melhor que “tê-lo escrevido”. Escrevido como dizem os gramáticos é gramaticalmente errado). Mas vale repisar aqui o que me lembro. Em 2019 Bernardet já passava dos 80 anos e estava se tratando de câncer na próstata. Sua próstata já havia sido extirpada e ele havia passado por radioterapia. Então o oncologista, ou a equipe que o tratava queria que ele se submetesse a um tratamento hormonal para diminuir os riscos da recidiva do câncer. Na reportagem somos informados que ele também é portador de HIV. E a reportagem era essa imensa reflexão sobre os limites para um tratamento médico, com muitos questionamentos sobre a validade desse, digamos, protocolo. Há questionamento inclusive da parte da filha dele sobre a validade disso tudo. É como uma reflexão e uma denúncia. Não lembro o final do depoimento, mas me ficou parecendo que ele não seguiria com o tratamento hormonal.
Bem, Jean Claude continua vivo no momento em que escrevo (ou, pelo menos, eu ainda não soube notícia de sua morte), e desde aquele depoimento de 2019 já publicou um livro sobre sua relação com a medicina, O corpo crítico, e outro de memórias, Wet mácula. Anteriormente conhecido como crítico cinematográfico, talvez essa questão dos limites do corpo e da medicina seja uma missão que ela tenha se imposto para o momento.
E então temos essa reportagem sobre a Dra. Ana Claudia Quintana Arantes, essa médica geriatra, especialista em paliativismo. Aliás, praticamente a fundadora e principal porta-voz do paliativismo no Brasil. A reportagem também só está acessível para assinantes, embora haja um pequeno excerto aberto. Como acontece com as reportagens da Piauí é um longo texto, cerca de sete páginas no formato da revista, iniciando com uma breve apresentação da médica, depois passando pelo início dos cuidados paliativos. Segundo a revista, os primeiros protocolos de cuidados paliativos foram iniciados pela britânica Cicely Saunders, durante a Segunda Guerra Mundial.
Como já te falei, eu gostaria que os médicos procurassem ver mais a pessoa com uma doença, do que um portador de uma doença que precisa ser curada. É sempre melhor ser tratado como gente do que como o portador de um mal a ser sanado. Até porque há enfermidades sem cura.
E é isso o fascinante na Dra. Quintana Arantes. A reportagem fala sobre como ela ficou mexida ao ter que informar uma família que uma adolescente de 16 anos era portadora de HIV, no início dos anos 1990, quando esse tipo de notícia era praticamente uma sentença de morte. E sobre como o relato que ela fez ao seu supervisor foi tratado como caçoada.
E também de sua frustração quando foi falar com responsáveis por tratamentos que vão até o limite possível da medicina mas se mostram incapazes da cura. Frases como “não há mais nada a fazer” e “é assim mesmo” podem demonstrar alguma, ou muita, insensibilidade.
Quando não há mais nada a fazer no sentido curativo, ainda há a possibilidade de diminuir o sofrimento do doente, tanto quanto possível. E isso vem com os analgésicos para a dor física, e com as conversas para a dor espiritual, valendo tanto a ajuda profissional de psicólogos e assistentes sociais, quanto a afetiva de parentes e amigos.
Em sua cruzada civilizatória na busca pela melhor sobrevida e a mais digna morte possível, a Dra. Arantes já publicou alguns livros. O mais famoso e mais vendido se chama A morte é um dia que vale a pena viver, que surgiu a partir de suas palestras justamente divulgando o valor da medicina paliativa.
Além de tudo isso, a reportagem ainda entra em detalhes explicando diferenças entre cuidados paliativos, eutanásia e suicídio assistido. Cada coisa é uma coisa e elas são diferentes entre elas.
Por fim, gostei que a Dra. Arantes é contra a sedação paliativa. Como informa a revista, esse procedimento é amplamente praticado no Brasil. Também segundo a revista, Arantes acha isso “a coisa mais criminosa”. Como contraponto, o Dr. Rodrigo Kappel Castilho, presidente da Associação Nacional de Cuidados Paliativos, enviou mensagem à revista, publicada da seção de cartas da edição de junho de 2024, defendendo a sedação paliativa, se estendendo na conceituação do que ele vê como esse procedimento.
Eu gostaria de ler os livros da Dra. Arantes, mas não tenho certeza que o farei. Como já comentei contigo, tenho muitos livros para ler, possivelmente mais que o meu tempo de vida restante.
Fascinou-me ler sobre tratar doentes como pessoas e aliviar seu sofrimento.
27/11/2024, 09/12/2024.
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