Um Ano Depois



Pois é, minha irmã. Faz um ano que me deixaste para encontrar nossos pais. 

Foi algo de susto. Tudo muito rápido. Em fevereiro tu tinhas retornado de viagem a Rio Grande para rever primos, e comentavas que precisavas perder peso. Coisa, inclusive, que o médico do posto de saúde te demandava. 

Por abril ou maio começaste a sentir dores abdominais, e perder a vontade de comer. 

Os diversos médicos consultados foram incapazes de diagnosticar o teu problema. As dores ficavam cada vez fortes e incômodas. 

Procura daqui, procura dali, uma tomografia numa dessas chamadas clínicas populares sentenciou, algo como neoplasia maligna no pâncreas. Inclusive declarando certo centrimetragem cúbica. 

Encaminhamentos via SUS te levaram ao Hospital Conceição, para mais exames, e nova tomografia, confirmando a anterior, e informando o aumento do tumor. 

Mas foste valente. Resistias como podias. Tomavas os mais fortes analgésicos disponíveis. Fazias planos e colocavas fé nos poderes da quimioterapia para restaurar tua saúde. 

Difícil lembrar que também era um período de problemas pessoais e familiares para mim. Estavas a par, e isso também te afetava. Algumas vezes tive que te pedir desculpas por gestos rudes e arroubos irados. 

Em janeiro do ano passado, durante uma crise dolorosa, procuraste novamente a emergência do Hospital Conceição. A médica de plantão propos que ficasses internada, pois poderiam oferecer um tratamento melhor contra a dor. Topaste a proposta, esperando o tratamento contra a dor, e que a quimioterapia, afinal, começasse. 

No hospital passaste por diversas fases durante a internação. Maca no corredor, maca numa enfermaria com dezenas de leitos, e, afinal, uma cama num dos quartos. 
E ali ficaste, o quê? Uma semana? Duas semanas? Nos revezávamos para te acompanhar. Eu, a Linda, o Emanuel, a Clecy, a Liana. A Linda, principalmente a Linda. Ela foi também uma verdadeira irmã para ti, principalmente nesse período. 
Pois bem. Era um domingo quente de verão. Dia 21 de janeiro. Eu estava em casa. Quem te acompanhava era a Clecy. 

Final da tarde ou início da noite recebo o recado no telefone dizendo para ir urgentemente ao hospital. 

Depois de certo estresse burocrático para me dirigir ao quarto, ainda no corredor do hospital sou abordado por duas médicas plantonistas (nossa mãe provavelmente diria que eram umas médicas muito novinhas). Uma delas me informou que o teu quadro era muito grave. Muito grave. Disse que, se eu quisesse e autorizasse, poderiam te mover para a UTI, mas que essa movimentação apenas prolongaria tua agonia com respirador artificial e sedação. 

Acabei dizendo que não era necessário. Se o quadro era tão grave assim, que a vida (ou a morte) seguisse seu curso natural. 

Curioso, que, quando nosso pai morreu, eu pensava que se ele tivesse sido levado para algo como uma UTI, a vida dele poderia ter sido prolongada. Curioso, como a tua partida foi parecida com a dele. 

Eu esperava que vivesses mais um dia. 

Tu esperavas pelo tratamento da doença. 

Tuas últimas palavras, já totalmente dopada pela morfina, foi uma pergunta sobre o que os médicos disseram sobre quando irias iniciar o tratamento. Me lembro, que, chorando, te abracei, envolvi tua cabeça, e disse baixinho, perto da tua orelha que os médicos disseram que Jesus estava vindo para ti levar. 

Tua reação foi até engraçada, "mas eu tô tão mal assim?". Sim. Estavas. 

Ainda sentaste um pouco na cama. 

Depois deitaste de novo. 

Te injetaram nova dose de analgésicos. Mais morfina. 

Aos poucos foste indo, tua respiração cada vez mais fraca. 

Era madrugada de segunda-feira. 22 de janeiro de 2018.

Nos deixaste. Me deixaste. 

Com tua partida me senti verdadeiramente órfão. 

Saudades eternas de ti, minha irmã, minha mãe. 


.



.

22/01/2019.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Poemas de Abbas Kiarostami na Piauí de Junho/2018

Sessão de Autógrafos - A Voz dos Novos Tempos

Feliz aniversário, Avelina!