Abençoado!

Abençoado!

No início daquela tarde de domingo, como muitas vezes já havia lhe acontecido, a cera acumulada no canal auditivo de Arnold causou entupimento de seu ouvido.
Contra todos os conselhos, ele tentou vencer a obstrução com um cotonete, e como normalmente acontece, não deu certo.
Sem outras opções, procurou atendimento médico. Chegando à clínica a qual se dirigiu, a atendente informou que o tempo previsto para atendimento era de cerca de quatro horas. Ele perguntou se havia alguma coisa extraordinária acontecendo, e a atendente respondeu que não. Era o sistema de atendimento do médico de plantão que acarretava tal demora.
Feita a ficha, Arnold pensou consigo mesmo que quatro horas era um tempo deveras longo a ser enfrentado simplesmente aguardando ser chamado numa sala de espera. Havia levado uma revista para ler enquanto esperava, mas estava certo que havia mais tempo diante dele que páginas de revista a serem lidas.
Resolveu caminhar. Se possível encontrar uma outra revista para ler. Talvez comer alguma coisa.
Saiu caminhando. Andou pela Osvaldo Aranha, e foi do Pronto-Socorro até a Barros Cassal. Passou por lancherias, mas nada lhe apeteceu. E naquele final de tarde de domingo não encontrou nenhuma banca de revistas aberta. Chegou até a passar em frente à Capela do Bom Fim. Uma missa estava para começar. Subiu a Barros Cassal até a Irmão José Otão.
Na Barros Cassal teve oportunidade de contemplar a sinagoga existente ali. Os rabinos ali seriam mais liberais ou mais ortodoxos? Seriam mais literais ou mais metafóricos?  
Voltou pelo sistema José Otão-Vasco da Gama. Nenhuma banca de revistas ou livraria aberta. Na esquina com a Fernandes Vieira, uma locadora de vídeos. Mas não uma revisteria.
Acabou entrando num supermercado na Fernandes Vieira, onde acabou encontrando uma revista semanal. Não era o que ele queria, mas acabou comprando. Comprou também algo para comer e beber. Pagou e voltou à clínica. Comeu e bebeu um pouco antes de voltar à sala de espera.
Voltou à clínica e sentou-se na sala de espera. Ainda faltava mais de uma hora antes de ser atendido. A revista extra lhe valeu.
Por fim chegou o momento de ser atendido.
O médico lhe perguntou o que o trazia ali. Arnold explicou. O médico perguntou se havia usado cotonete, e Arnold respondeu que sim. “Danou-se”, disse o médico. E, de fato, o médico examinou o canal auditivo, e constatou que estava machucado. Com hematomas e sangue. O médico não iria retirar o excesso de cera de ouvido. Em lugar disso lhe deu uma receita com dois remédios, para serem aplicados no ouvido. Pelo menos foi isso que Arnold entendeu. E o médico disse que Arnold retornasse após o tratamento, e isso significava um mínimo de 48 horas.
No caminho de volta para casa, Arnold passou por três farmácias e em nenhuma delas encontrou a medicação recomendada. O mesmo valeu para uma tele-entrega.
E Arnold foi dormir como tinha estado desde o início daquela tarde. Com o ouvido entupido, e  levemente dolorido, por conta de sua tentativa de desobstruir o canal auditivo por conta própria, com um cotonete.
No dia seguinte, Arnold continuou sua jornada à procura dos remédios indicados. Na farmácia na esquina de casa, não os encontrou. Passou por mais três farmácias. Em nenhuma delas encontrou o que queria.
Ou melhor, em uma encontrou parcialmente. A atendente da farmácia tinha metade da dose de uma medicação, e poderia fornecer a outra dose em 24 horas. Mas Arnold levou algum tempo para mostrar à atendente que o médico havia indicado que a segunda dose, deveria ser tomada 12 horas após a primeira.
Continuou a sua procura. Iria à Assis Brasil. Na Assis Brasil haveria de existir uma farmácia com os remédios das prescrições em seu estoque.
De fato havia. Foi a quarta farmácia em que Arnold entrou na avenida Assis Brasil.
E naquela farmácia, ao conversar com a farmacêutica encarregada, Arnold descobriu uma das medicações indicadas não deveria ser aplicada no ouvido, mas era uma “injeção intramuscular”, conforme viu a farmacêutica. Arnold ficou surpreso. Jurava que a instrução do médico era para que toda a medicação fosse aplicada ao ouvido. Não era. A farmacêutica entrou em contato com o médico, e confirmou que uma injeção deveria ser aplicada em Arnold (na verdade eram duas injeções).
Feita a compra dos medicamentos afinal encontrados, a própria farmácia oferecia o serviço de aplicações de injeções. A injeção lhe foi aplicada no glúteo direito. Deveria voltar 12 horas depois para a aplicação da outra injeção, no outro glúteo. A injeção era levemente dolorida...
Arnold se sentiu abençoado. Achou que Deus o havia protegido. Sabe lá quais seriam as consequências de despejar 4 ml de cortisona no seu ouvido!?
Quando voltou à clínica 72 horas depois, e finalmente a obstrução de cera foi removida, achou uma delícia estar ouvindo normalmente de novo!

27/02/2011.

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